França usa nuclear para diminuir emissões e dependência energética de “inimigos”



A França tem reforçado a aposta na energia nuclear como forma de baixar emissões poluentes, mas também de diminuir a dependência de países “agora inimigos”, como a Rússia, disseram à Lusa especialistas franceses.

“A guerra na Ucrânia e a manipulação [do fornecimento] de gás por Vladimir Putin (Presidente russo) sublinhou a dependência que tínhamos de (…) combustíveis proveniente de países que agora são inimigos”, afirmou o especialista em política energética do Instituto Jacques Delors, Phuc-Vinh Nguyen, em entrevista à Lusa.

Para o especialista no Centro para a Energia e Clima do Instituto Francês das Relações Internacionais (Ifri) Thibault Michel, o Governo francês parece ter feito “uma escolha racional” para descarbonizar o país com a utilização da energia nuclear, uma vez que o nuclear já está desenvolvido em França e constitui uma energia com baixas emissões de carbono.

Esta escolha é “uma forma de apoiar a indústria francesa”, disse Michel em entrevista à Lusa, acrescentando que é também “uma forma de desenvolver soberania energética na União Europeia (EU), cuja importância foi demonstrada, por exemplo, pela guerra na Ucrânia”.

Thibault Michel referiu ainda que no caso do nuclear “há dependências de abastecimento: é necessário à França, por exemplo, importar urânio, principalmente do Cazaquistão, do Níger, do Uzbequistão e da Namíbia”, mas “por ser fácil de armazenar, a França tem grandes reservas de urânio”, indicou.

“Esta energia pode ser exportada, o que já acontece porque o país produz mais energia do que consome, coloca o excedente no mercado para ajudar países com o fornecimento de eletricidade de baixo carbono”, referiu Nguyen.

Os benefícios desta energia “dependem dos custos finais dos projetos”, de longo prazo (10 a 20 anos), “que são relativamente difíceis de estimar”, afirmou Michel, referindo que os custos dos materiais podem evoluir muito durante esse período de tempo.

Questionados sobre a Aliança Nuclear Europeia, cuja liderança a França assumiu, os especialistas apoiam a ideia e acreditam que poderá significar um financiamento da energia nuclear.

“A Aliança representa uma verdadeira mudança no que temos visto como países da UE nas últimas décadas, é algo que era inimaginável”, disse Michel, acrescentando que “a formação de uma aliança tão grande foi uma evolução importante, assim como a inclusão pela Comissão Europeia da energia nuclear na legislação sobre descarbonização.

Mas, o especialista alertou que é necessário “ver realizações e conquistas concretas no futuro para avaliar se foi realmente um ponto de viragem ou não” e que as eleições europeias em junho tornam as previsões mais difíceis, porque o desenvolvimento da energia nuclear na Europa depende também dos Estados-Membros e, por conseguinte, de novas cooperações.

Já Nguyen acredita que pode ser uma maneira de financiar o nuclear por “construir um ímpeto para as atuais e próximas negociações”, principalmente na Comissão Europeia.

“Novas formas de financiar são sempre bem-vindas, o que está a acontecer agora com a tentativa de estruturar uma aliança para pequenos reatores modulares será benéfico, já que os nossos adversários são a China, a Rússia e os Estados Unidos”, defendeu, acrescentando que até 2050, o país prevê construir seis novos reatores.

Os especialistas afirmaram ainda que, apesar de toda a relutância em volta da energia nuclear, devido a desastres como Chernobyl ou Fukushima, a questão é aptidão para lidar com questões de segurança.

Atualmente, França tem 56 reatores nucleares e produz 70% da sua eletricidade através de energia nuclear, e para diminuir a dependência de combustíveis fósseis está também a apostar em energias renováveis, indicou Nguyen.

Para ter um sistema elétrico eficiente e flexível, “é necessário desenvolver também as energias renováveis, não havendo necessidade de escolher entre os dois tipos de energia, ambos necessários para uma transição energética”, de acordo com Michel.

“É necessário que o consumo e a produção de eletricidade sejam iguais e como até agora é difícil armazenar eletricidade, uma forma de igualar os valores de consumo é controlar o nível de produção”, acrescentou o especialista do Ifri.

No caso das energias renováveis, como a eólica ou a solar, “são intermitentes e, por isso, o controlo do seu nível de produção é menor”, afirmou, referindo que “por outro lado, as fontes de energia flexíveis são, até à data, os combustíveis fósseis e a energia nuclear e, por conseguinte, a energia nuclear pode trazer flexibilidade ao sistema elétrico sem emitir os gases de efeito de estufa”.





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