A situação nacional dos resíduos urbanos de que não se fala



Por Carla Velez, Secretária-geral da ESGRA

Em tempo de eleições poder-se-ia pensar, ou melhor dizendo, havia a expectativa de que pelo menos durante o período da campanha eleitoral em que de tudo se fala e promete, a política pública sobre resíduos urbanos fosse pelo menos mencionada.

A preocupação com o ambiente tem sido abordada, mas, a nosso ver, de forma genérica, o que de certa forma pode atribuir-se à importância dos problemas que mais diretamente impactam a vida da população como as questões relacionadas com a falta de condições económicas, a prestação dos serviços nas áreas da saúde, a escola e a justiça que têm justamente dominado a cena pública.

Perante tais questões, os problemas relacionados com a atividade de gestão e tratamento de resíduos urbanos perdem inelutavelmente a dimensão que o setor lhe atribui. Sendo preocupações distintas, tal como na política de gestão dos resíduos, também existe uma hierarquia de problemas e de preocupações nacionais na qual a gestão dos resíduos está longe do topo. E na verdade, parte deste comportamento deve-se a bons motivos.

Portugal teve a capacidade de em poucos anos erradicar mais de trezentas lixeiras, equipar o seu território de modo a recolher e tratar a totalidade dos resíduos urbanos produzidos, encontrando-se integralmente coberto com sistemas de recolha indiferenciada bem como de recolha seletiva, apesar da preferência quanto à deposição dos resíduos urbanos continuar a ser a indiferenciada. A opção de Portugal relativamente aos processos de tratamento de resíduos urbanos assentou, essencialmente, numa estratégia de recolha de resíduos indiferenciados encaminhados para unidades de tratamento mecânico e biológico, no pressuposto de que esta tipologia de infraestrutura teria um elevado potencial em termos de redução da deposição de resíduos urbanos em aterro; aumento significativo das taxas de reciclagem; e contribuição importante para a redução de emissão de gases de estufa, aspetos considerados fundamentais para cumprir as metas nacionais e comunitárias.

Porém, tal como os agentes do setor alertaram, a redução de deposição de resíduos em aterro não diminuiu, pelo contrário, tem mantido a tendência constante de crescimento, sendo finalmente reconhecido que importa redefinir e readaptar a estratégia para um modelo centrado na recolha seletiva com o objetivo de recuperar maior quantidade de resíduos com maior qualidade, permitindo uma reciclagem de mais valor acrescentado, bem como diminuir significativamente a redução de resíduos em aterro. Estas opções de estratégia política indiscutíveis enfrentam níveis de desafios a que Portugal terá que responder de forma rápida, eficiente e eficaz.

Quanto à deposição de resíduos em aterro, Portugal tem dois problemas graves, sérios e urgentes. É que para reduzir a produção de resíduos, por um lado, e aumentar significativamente a recolha seletiva para diminuir a deposição em aterro, por outro, para além de investimento precisa de tempo durante o qual vai continuar a precisar de aterro. E é aqui que se depara com o problema mais urgente e crítico, que é o facto de a capacidade de aterro se encontrar em vias de esgotamento. Estima-se que, em termos globais, se nada for feito, a capacidade dos aterros se esgote entre 2027 e 2028, traduzindo-se num colapso da gestão e tratamento de resíduos urbanos, atendendo a que não existem ainda outras soluções para encaminhar o quantitativo dos resíduos produzidos que atualmente vão para aterro e representam 57% das mais de cinco milhões de toneladas de resíduos produzidos.

É deste modo fundamental encontrar uma plataforma de consenso a nível nacional em torno da racionalidade de soluções de partilha de problemas e de soluções, em prol do objetivo coletivo de o País dispor de infraestruturas de gestão de resíduos mais adequadas e mais bem localizadas, através de um plano nacional de gestão de aterros. Bem como sobre a necessidade de aumentar a capacidade de valorização energética através de incineração dedicada, a par de outras soluções, tais como o incremento significativo dos resíduos recolhidos seletivamente.

E deste modo evitar que em próximas eleições, ou antes, o tema dos resíduos tenha subido posições na hierarquia dos problemas por falta de vontade e coragem política os resolver os seus problemas. Isto enquanto ainda temos algum, mas muito pouco, tempo.





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