Missões de paz e Inteligência Artificial no “Pacto para o Futuro” da ONU



O “Pacto para o Futuro”, adotado domingo pelos Estados-membros das Nações Unidas (ONU), prevê 56 ações para enfrentar os “maiores desafios do nosso tempo”, desde áreas históricas de manutenção da paz até temas mais inovadores como Inteligência Artificial.

Destacando o “aumento e diversificação” das ameaças à paz mundial, nomeadamente o “risco de guerra nuclear”, o Pacto repete compromissos fundamentais dos membros da ONU: respeito pela Carta fundadora da organização, pelos direitos humanos e direito internacional, proteção dos civis, diplomacia para resolução de conflitos, embora sejam princípios que são violados diariamente ao redor do mundo.

O Pacto também reafirma o compromisso com a eliminação das armas nucleares.

Embora várias dezenas de milhares de ‘Capacetes Azuis’ estejam destacados em todo o mundo, o documento reconhece a necessidade de adaptar as missões de manutenção da paz da ONU – por vezes criticadas pelos países anfitriões – para melhor responder às realidades atuais.

Em particular, pede ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que faça recomendações sobre como a “caixa de ferramentas da ONU pode ser adaptada” para responder de uma forma mais flexível e sob medida às diferentes situações no terreno.

A luta contra o aquecimento global foi um dos pontos delicados das negociações, tendo a referência à “transição” para abandonar os combustíveis fósseis desaparecido do projeto durante várias semanas, até ser reintroduzida.

“Houve uma forte pressão dos países produtores de combustíveis fósseis” para esta eliminação, observou Alden Meyer, do ‘think tank’ E3G, saudando o facto do compromisso de afastamento dos combustíveis fósseis ser agora assumido ao mais alto nível de líderes estatais e governamentais.

“As alterações climáticas são um dos maiores desafios do nosso tempo e estamos muito preocupados com o atual ritmo lento do progresso” na sua contenção, admitiram os Estados-membros.

Contudo, o Pacto não vai realmente além dos compromissos assumidos na COP28 – a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – no final de 2023: “transição” para abandonar os combustíveis fósseis, triplicar as capacidades renováveis até 2030, neutralidade carbónica até 2050, prosseguir os esforços para limitar o aquecimento a +1,5°C.

O Pacto promete também acelerar os esforços para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que visam, em particular, erradicar até 2030 a pobreza extrema, combater a fome, promover a igualdade de género e a educação.

Neste contexto, e num tema caro aos países mais pobres, o Pacto compromete-se a “acelerar a reforma da arquitetura financeira internacional” para permitir, em particular, a certos Estados-membros, um acesso mais fácil a financiamento preferencial de bancos de desenvolvimento, para investirem nos ODS e prepararem-se para os impactos do aquecimento global.

Porém, estas reformas terão de passar por decisões tomadas noutros lugares, sob a orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Mundial.

Embora o Conselho de Segurança da ONU esteja hoje em grande parte paralisado pelo poder de veto da Rússia ou dos Estados Unidos, o Pacto está igualmente empenhado em reformar este poderoso órgão das Nações Unidas – cujo funcionamento é em grande parte herdado do equilíbrio de poder após a Segunda Guerra Mundial -, para torná-lo agora “mais representativo” e mais “eficaz”.

O texto sublinha a prioridade de “reparar a injustiça histórica” de África, que não tem um membro permanente.

Trata-se da “linguagem mais forte” sobre este assunto “numa geração”, disse António Guterres.

Mas o texto não esconde as divergências que persistem sobre os temas mais polémicos, nomeadamente o número de novos membros e o futuro do poder de veto detido pelos cinco membros permanentes: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia.

Os Estados-membros também adotaram hoje o “Pacto Digital Global”, para reduzir a exclusão digital e desenvolver tecnologias seguras e respeitosas para o benefício de todos.

O texto centra-se, em particular, nas oportunidades e nos riscos da Inteligência Artificial.

Embora o rápido desenvolvimento de tecnologias revolucionárias possa ameaçar a democracia e os direitos humanos, os Estados comprometem-se a estabelecer, sob a égide da ONU, um Grupo Científico Internacional dedicado a guiar um diálogo internacional entre Governos e outros intervenientes no setor sobre como regular o setor.

O “Pacto para o Futuro” foi adotado em Nova Iorque no arranque da “Cimeira do Futuro”, um evento projetado pelo secretário-geral da ONU em 2021 e apresentado como uma “oportunidade única” para mudar o curso da história.

No arranque do evento, a Rússia, apoiada pela Bielorrússia, Irão, Coreia do Norte, Nicarágua e Síria, apresentou uma emenda ao projeto, defendendo que a ONU “não pode intervir” nos assuntos “internos” dos Estados, mas a maioria da Assembleia recusou-se a aceitar esta proposta.





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