Reutilizar ou demolir? Eis a questão

Por: Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult
Já todos nos perguntámos o que acontece aos materiais que sobram de uma obra quando esta termina. São reaproveitados ou simplesmente descartados em aterros? A gestão de resíduos de construção e demolição (RCD) continua a ser uma questão central no setor da construção, tanto em Portugal como na Europa. Num momento em que a sustentabilidade e a economia circular ganham cada vez mais relevância, importa refletir sobre os obstáculos que ainda dificultam a valorização destes resíduos – sobretudo quando demolir continua, muitas vezes, a ser mais rápido e mais barato do que reutilizar.
Segundo dados de 2022, da União Europeia, o setor da construção gerou mais de 39 milhões de toneladas de resíduos. Em Portugal, e de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente, só em 2018, foram recolhidas mais de 2,5 milhões de toneladas de RCD, das quais cerca de 1,7 milhões seguiram para valorização. Esta taxa – superior a 78% – supera a meta europeia mínima de 70% para resíduos não perigosos, o que é, sem dúvida, positivo.
Contudo, quando comparamos com o panorama europeu, percebemos que há espaço para evoluir. Países como o Reino Unido, a Alemanha e a Holanda apresentam taxas de reutilização e reciclagem perto dos 100%. Já Portugal, tal como Espanha e Croácia, permanece abaixo dos 30%. Esta disparidade não se explica apenas por políticas ambientais – está também relacionada com decisões tomadas no dia a dia em obra, o volume e a cobertura da recolha de resíduos e a eficiência no tratamento.
Efetivamente, os custos associados ao tratamento, triagem, transporte e armazenamento temporário de resíduos – incluindo o aluguer de contentores – podem tornar a reutilização menos competitiva face à aquisição de novos materiais. Em Portugal, o custo do tratamento de resíduos continua a ser relativamente baixo, o que paradoxalmente, contribui para uma menor pressão económica no sentido da reutilização. Por isso, é natural que, do ponto de vista económico, se opte muitas vezes pela via da demolição e substituição. Mas será que, com o aumento significativo dos preços dos materiais de construção, esta lógica não deveria ser reavaliada?
Cada vez mais, torna-se relevante incluir nas estimativas e orçamentos uma comparação realista entre o custo de aquisição de novos materiais e o potencial de reutilização dos existentes. Para além do impacto ambiental que esta medida terá, pode também tratar-se de uma questão de rentabilidade e de aproveitamento eficiente de recursos.
A composição dos RCD é muito variada, mas os inertes – como betão e materiais cerâmicos – representam entre 40% e 85% dos resíduos produzidos em obra. Embora volumosos, têm um elevado potencial de reutilização. Por exemplo, o betão representa cerca de um terço dos resíduos globais de construção, mas apenas 5% a 10% são reciclados.
Perante este cenário, torna-se essencial promover uma cultura de reutilização responsável, apoiada em ferramentas de planeamento, inovação e colaboração entre entidades públicas e privadas, e alinhada com as boas práticas já alcançadas noutros países. Já existem projetos inovadores que apontam o caminho para um setor mais sustentável, demonstrando que reutilizar é viável – e até vantajoso – quando bem planeado.
No final do dia, a sustentabilidade deve começar na fase de projeto. É precisamente aí que se definem muitas das decisões que vão ditar o destino dos resíduos. Com uma visão integrada, técnica e económica, é possível encontrar soluções que favoreçam a reutilização sempre que viável, contribuindo para um setor mais eficiente, responsável e alinhado com os desafios do futuro. Porque construir de forma inteligente é, hoje, mais do que nunca, construir de forma sustentável.