Estudo revela como portugueses e espanhóis falam das alterações climáticas nas redes sociais

Um estudo publicado na revista científica ‘Scientific Reports’ revela padrões emocionais marcantes sobre como os cidadãos da Península Ibérica falam sobre alterações climáticas nas redes sociais.
O trabalho está inserido no doutoramento de Ana Sofia Cardoso, estudante do Programa Doutoral em Biodiversidade, Genética e Evolução, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), e primeira autora do estudo.
“O tema das alterações climáticas foi escolhido pela sua enorme relevância global e pela forma como gera discussão pública, especialmente nas redes sociais”, explica, em nota, a doutoranda.
“O meu trabalho tinha como principal objetivo perceber como os cidadãos de Portugal e Espanha percecionam as alterações climáticas nas redes sociais”, acrescenta. Para isso, Ana Sofia Cardoso e a equipa recorreram a modelos de Inteligência Artificial que analisaram mais de 1,7 milhões de publicações na rede social Twitter (que se passou a chamar X há dois anos) em português, espanhol e inglês, entre 2010 e 2022, usando técnicas avançadas de deep learning e processamento de linguagem natural (NLP).
Os resultados? Entre as emoções mais identificadas estão a raiva, a surpresa e, em menor grau, a alegria. A investigação revela que a frequência de publicações associadas a raiva aumentou nos últimos quatro anos, “refletindo uma maior inquietação pública com os impactos e respostas (ou ausência delas) à crise climática”, informa a FCUP em comunicado.
Foi também revelada uma predominância de sentimentos negativos (39%) e neutros (35%), frequentemente associados a fenómenos extremos como incêndios, secas e tempestades.
“Um dado interessante foi a elevada presença de ironia, onde cerca de um quarto das publicações continha sarcasmo digital, uma forma de expressão comum nas culturas portuguesa e espanhola”, detalha Ana Sofia Cardoso, que é também investigadora no BIOPOLIS-CIBIO.
“Analisámos especificamente publicações do Twitter (atualmente a rede social X), por ser uma rede particularmente propícia à discussão de temas da atualidade, como as alterações climáticas, e também pelo facto de as publicações serem curtas (com um limite reduzido de caracteres), o que facilita a análise linguística em larga escala. No entanto, teríamos todo o interesse em alargar o estudo a outras redes sociais no futuro, como o Reddit, para explorar outras dinâmicas discursivas e demográficas”, explica a estudante.
Segundo a FCUP, este é um dos primeiros trabalhos publicados a aplicar uma abordagem combinada de análise de sentimentos, emoções e ironia em três línguas e numa escala regional europeia.
Dizem os autores do estudo que a metodologia desenvolvida pode ser aplicada noutros trabalhos, plataformas digitais e temas, descrevendo-a como “uma ferramenta robusta para monitorização social contínua, com possíveis aplicações em políticas públicas, campanhas de sensibilização e planeamento climático”.
O estudo detetou ainda picos de atividade emocional nas redes sociais em momentos de elevado impacto climático, como os incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, a tempestade tropical Ophelia, de outubro de 2019, que contribuiu para centenas de incêndios em Portugal e Espanha.
“Nestes momentos, os conteúdos partilhados tornaram-se mais intensos e emotivos, funcionando como termómetro social da ansiedade coletiva”, diz a FCUP.
Como próximos passos do seu trabalho, Ana Sofia Cardoso revela que estão a ser utilizados os mesmos dados “para investigar discrepâncias temáticas e geográficas entre a literatura científica sobre alterações climáticas e os debates públicos no X (para Portugal e Espanha)”.
Para a doutoranda, é fundamental “identificar estas discrepâncias para melhorar as estratégias de comunicação científica, e, ao mesmo tempo, ajudar a ajustar as políticas públicas às realidades e perceções locais”.