O que o colapso das grandes cidades da antiguidade nos pode ensinar?
Mil anos depois de ser fundada, a cidade maia de Tikal, na actual Guatemala, colapsou. Estávamos no século IX e os espanhóis ainda nem sonhavam em chegar à América. Na mesma altura era fundada Angkor, no Camboja, aquela que seria a capital do reino Khmer durante seis séculos e que é considerada, hoje, a maior cidade pré-industrial do mundo, com 750 mil habitantes.
Hoje, Angkor é um parque arqueológico que continua a espantar os seus visitantes pelo tamanho: a cidade espalhou-se por 1.000 quilómetros quadrados de complexos e templos, grandes clusters residenciais e campos irrigados por uma rede de reservatórios, canais e lagos.
Tal como outras cidades pré-industriais, Angkor incorporava os terrenos agrícolas no centro da cidade. Todas estas cidades têm em comum o facto de entrarem em declínio pouco depois de um período de grande crescimento. Angkor floresceu no final do século XIII mas, um século depois, encontrava-se abandonada.
Os pesquisadores estão a começar a encontrar similitudes entre a forma como estas cidades antigas, com baixa densidade, falharam, e como o mesmo está a acontecer às cidades hodiernas.
“Quase todas as cidades estão a deixar-se caminhar para uma densidade extremamente baixa”, explicou ao Guardian Roland Fletcher, professor de arqueologia da Universidade de Sydney, na Austrália.
“Por exemplo, o centro de Nova Iorque está muito congestionado, mas a grande Nova Iorque é vasta, com uma paisagem suburbana e muitas terras abandonadas, sem edifícios”, explicou. Existem padrões idênticos nas áreas da Grande Xangai, Tóquio, cidades europeias e norte-americanas.
O fenómeno dos subúrbios há muito que tem sido visto como consequência da urbanização industrializada, dos automóveis baratos e preços muito altos no centro das cidades. Quando Fletcher viu pela primeira vez uma foto de Angkor tirada pela estação espacial Endeavour, a primeira coisa que viu foi um enorme canal, de norte para sul. “Havia linhas e tanques em todo o lado. Aquele lugar era enorme”, continuou.
Em 1998, Fletcher uniu-se a Christophe Pottier, da École Française d’Extrême-Orient e formou o Greater Angkor Project, uma iniciativa que procurou produzir um mapa detalhado de Angkor através de novas tecnologias. O projecto permitiu chegar a uma nova teoria para o abandono da cidade: clima extremo e severo.
Segundo os anéis das árvores do vizinho Vietname, existiram grandes períodos de seca, seguidos de monções especialmente molhadas, nos séculos XIV e XV. E os danos provocados pelas super-monções são ainda bem visíveis nas imagens de satélite: “As cenas [que se passaram] em Angkor não seria muito diferentes do que se passou em Nova Orleães ou Fukushima”, explica o Guardian.
Quando as monções arruinaram as infra-estruturas de Angkor, a cidade deixou de ser sustentável e foi abandonada. “Hoje, cerca de 50% da humanidade vive em cidades, muitas delas com baixas densidades. Em menos de 200 anos criámos uma situação física nunca antes vista para milhões e milhões de seres humanos. Acho que deveríamos olhar para [este facto] seriamente”, explicou Fletcher.
Tikal, Angkor e Anaradhapura – cidade abandonada no século X, depois de mil anos de crescimento – tinham diferentes geografias, ambientes e políticas sociais, mas acabaram por sucumbir por operacionalidades semelhantes: grandes e extensas áreas de terras desflorestadas, padrões de habitação de baixa densidade e enormes infra-estuturas – todas estas são características das grandes cidades da actualidade. E se todas estas três cidades acabaram vulneráveis às alterações climáticas, o que é que isto nos pode ensinar sobre o futuro das nossas próprias cidades? Estaremos em apuros?
Foto: ND Strupler / Creative Commons