Descornar os rinocerontes-negros pode salvar-lhes a vida. Mas está a alterar o seu comportamento
A caça furtiva é uma das grandes ameaças à sobrevivência de espécies de grandes mamíferos e uma das principais causas do declínio das populações da megafauna. Elefantes e rinocerontes, por exemplo, estão entre os animais mais caçados ilegalmente para extração dos seus chifres e presas para alimentar mercados internacionais de artigos em marfim e de medicina tradicional asiática, que geram lucros avultados.
O rinoceronte-negro (Diceros bicornis) é uma das espécies mais visadas por essa prática, estando atualmente classificado como ‘Criticamente em Perigo’ pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), um estatuto que carrega desde 1996. Estima-se que existam hoje cerca de seis mil rinocerontes-negros, uma tendência de crescimento populacional que em muito se deve aos esforços de conservação que têm vindo a ser feitos em África durante as últimas décadas, mas a ameaça da caça furtiva mantém-se.
Para tentarem dissuadir a captura desses animais, alguns conservacionistas têm aplicado técnicas como o descornamento, reduzindo o tamanho dos chifres dessa espécie de rinoceronte, que tem dois, sendo o frontal maior. No entanto, apesar de poder ter efeitos positivos no que toca à conservação da espécie, descornar os rinocerontes parece afetar o seu comportamento.
Uma investigação conduzida em dez áreas protegidas na África do Sul revela que territórios ocupados por rinocerontes descornados tendem a ser 45,5% inferiores aos que não foram sujeitos a essa intervenção, e que os animais intervencionados interagem 37% menos com outros membros do grupo.
Num artigo publicado esta semana na revista ‘PNAS’, os cientistas dizem que “tais intervenções de conservação podem ter escondido e subestimado os efeitos sobre o comportamento e ecologia dos animais”, concluindo que “descornar rinocerontes-negros como medida anti-caça furtiva altera o seu comportamento ecológico”. Ainda assim, reconhecem que para já são desconhecidas as consequências que essas alterações possam ter ao nível populacional, defendendo que é preciso saber os efeitos ecológicos e comportamentais do descornamento para avaliar e assegurar o sucesso dos esforços de conservação.
Vanessa Duthé, da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, e principal autora, explica que descornar não aumenta a mortalidade natural dos rinocerontes nem afeta a sua capacidade de sobrevivência. E argumenta que animais com chifres menores, ou que não o tenham de todo, têm menor probabilidade de se envolverem em lutas que podem ter desfechos fatais.
Como os rinocerontes-negros vivem, em média, entre 30 e 50 anos, os investigadores não podem afirmar com certeza se o descornamento é, de facto, positivo ou negativo a longo-prazo no que toca à sua ecologia, pois para isso é preciso um acompanhamento de muitos anos para perceber os impactos na reprodução e prosperidade das populações. Mas tudo aponta para que descornar os rinocerontes não afeta negativamente o sucesso reprodutivo da espécie, pelo que se acredita que os efeitos são mais positivos do que negativos para a sobrevivência deste mega-herbívoro ameaçado de extinção.