Entrevista a José Pedro Fernandes: “Sentia-me impotente ao ver desastres climáticos, outrora raros, acontecerem cada vez com mais frequência”



Climate Reality Project, fundado por Al Gore, já conta com 55 edições por todo o mundo e uma comunidade de 3.5 milhões de líderes climáticos. Vão realizar o 56º treino de Liderança em Realidade Climática, em Roma, de amanhã a 30 de junho. José Pedro Fernandes, um dos Climate Reality Leaders portugueses que já participou em edições anteriores e que será agora um mentor, explicou à Green Savers qual o objetivo do projeto e como é que se juntou à iniciativa.

“A apresentação de Al Gore foi um dos momentos mais memoráveis da minha vida. Foi algo que, mesmo com algum conhecimento prévio, foi transformador. Mudei alguns dos meus hábitos diários, comecei a participar mais ativamente na sociedade para que a minha voz pudesse ser ouvida e acabei por mudar a direção dos meus estudos e carreira profissional”, revelou.

Engenheiro mecânico e doutorando na Universidade do Minho, usa a sua área de especialidade para abordar os desafios que a realidade das alterações climáticas já está a trazer no tratamento sustentável de águas, dado a crescente escassez de água, agravada com as alterações climáticas. Nesta entrevista fala-nos sobre esta problemática no País e defende que “é crucial preservar o máximo de água possível antes que chegue ao mar”.

– O antigo vice-presidente dos EUA, Al Gore, fundou o “The Climate Reality Project” para catalisar uma solução global para a crise climática, tornando a ação urgente uma necessidade em todos os sectores da sociedade. Na prática o que é que fazem?

Em primeiro, capacitar a população sobre a crise climática. Através de dados que são amplamente aceites pela comunidade científica, o objetivo de um Climate Reality Leader é destacar os efeitos passados, presentes e futuros das mudanças climáticas e ajudar as pessoas a entenderem as razões por detrás dessa crise e, acima de tudo, que a mudança é possível. Este impacto direto nas pessoas é alcançado de várias maneiras. Após o treino da The Climate Reality Project, os Climate Reality Leaders possuem ferramentas poderosas para melhorar a comunicação da mensagem, construir uma narrativa mais impactante, uma vasta rede de contatos global e, na prática, ter um impacto maior na sociedade.

Em Portugal, a equipa nacional de Climate Reality Leaders foca a sua intervenção em todos os grupos etários, através de intervenções que apresentam o problema da crise climática, sempre focadas no público-alvo em que estamos envolvidos, e como nós, como indivíduos ou como comunidade, podemos fazer a diferença. O público é sempre desafiado a intervir, discutir, apresentar dúvidas, discordar… e, no final, realizar alguma iniciativa com um impacto ambiental positivo, de preferência algo periódico ou de longa duração.

Através de dados que são amplamente aceites pela comunidade científica, o objetivo de um Climate Reality Leader é destacar os efeitos passados, presentes e futuros das mudanças climáticas e ajudar as pessoas a entenderem as razões por detrás dessa crise e, acima de tudo, que a mudança é possível. Este impacto direto nas pessoas é alcançado de várias maneiras.

Além do treino, os Climate Reality Leaders estão sempre ativos, participando em várias manifestações pacíficas, através do diálogo com vários intervenientes políticos nacionais e internacionais, e sempre a intervir e utilizar a nossa voz em linha com o espírito democrático de Al Gore.

– Vão realizar o 56º treino de Liderança em Realidade Climática (Climate Reality Leadership Training), a ocorrer em Roma, Itália, durante os dias 28 a 30 de junho de 2024.O que é que este treino oferece aos participantes?

O facto de esta ser já a 56ª edição demonstra a importância e o impacto que esta formação tem nos participantes. Sendo em Roma, a formação foca-se em temas mais próximos da crise climática nos países do sul da Europa, bem como nas soluções que estes implementaram ao longo dos anos para tentar mitigá-la. Esta é uma formação especializada de três dias, desenhada para reunir jovens, líderes empresariais, equipas governamentais e outros membros da sociedade civil para inspirar uma ação coletiva sobre o clima. Os participantes ouvirão especialistas climáticos da região sobre os desafios e oportunidades climáticas no sul da Europa e aprenderão as competências de comunicação e organização necessárias para mobilizar a ação climática. Ao longo de três dias, num ambiente verdadeiramente especial, os participantes adquirirão uma sensação única de capacitação e de transmissão de mensagens. Para além de dados científicos, os participantes ganharão o conhecimento de como contar a história que querem contar, como alcançar o público que querem impactar e como transmitir a mensagem através da sua experiência pessoal. Esta é uma das principais lições. Juntamente com isto, os participantes poderão fazer perguntas e debater com especialistas na área, bem como interagir com pessoas de mais de 30 países diferentes. Diria que é uma sinergia perfeita entre conteúdo científico e aprendizagem sobre como comunicá-lo da melhor forma. Trata-se de sentir-se ainda mais capacitado para enfrentar a crise climática.

Sentia-me impotente ao ver desastres climáticos, outrora raros, acontecerem cada vez com mais frequência sem poder ter uma voz suficientemente ativa na sociedade. Esta formação veio no momento perfeito, pois deu-me a plataforma necessária para aprender como poderia realmente fazer a diferença no espaço climático.

– Como e quando é que se juntou ao “The Climate Reality Project”?

Juntei-me ao The Climate Reality Project em 2020 ao participar na primeira formação global. Sempre estive ligado à causa climática e ecológica e senti a necessidade de fazer algo mais, de fazer parte de algo maior e, acima de tudo, de ter mais ferramentas para comunicar com o mundo. Sentia-me impotente ao ver desastres climáticos, outrora raros, acontecerem cada vez com mais frequência sem poder ter uma voz suficientemente ativa na sociedade. Esta formação veio no momento perfeito, pois deu-me a plataforma necessária para aprender como poderia realmente fazer a diferença no espaço climático.

– Que impacto teve o treino do “Climate Reality Project Leadership” na sua vida?

O impacto foi imediato. A apresentação de Al Gore foi um dos momentos mais memoráveis da minha vida. Foi algo que, mesmo com algum conhecimento prévio, foi transformador. Mudei alguns dos meus hábitos diários, comecei a participar mais ativamente na sociedade para que a minha voz pudesse ser ouvida e acabei por mudar a direção dos meus estudos e carreira profissional. Estava a estudar engenharia mecânica e, após a formação, decidi mudar o foco dos meus estudos, acabando por concluir o curso com uma especialização mais relacionada com tratamento e gestão de água. Este desejo de fazer algo mais, especialmente no setor da água, levou-me a regressar a Portugal, pois estava a trabalhar na Suíça, para prosseguir um doutoramento em tratamento sustentável de água. Este foi um impacto que nunca esperei, mas pelo qual estou extremamente grato.

O problema é real e os cenários podem ser assustadores, mas é nestas condições que devemos trabalhar em direção a uma solução para a gestão da água. Sempre tivemos um forte compromisso com a gestão e tratamento de água, sendo consistentemente um dos países líderes na Europa nesse campo.

– Inspirou-o a prosseguir um doutoramento em tratamento sustentável de águas. De que forma podem os Planos de Eficiência Hídrica contribuir para mitigar os problemas de falta de água/utilização da água em regiões com escassez deste bem?

Os planos de eficiência hídrica são essenciais em todas as regiões, não apenas em áreas com escassez, e essa mentalidade deve fazer parte de cada um de nós. As boas práticas devem ser sempre aplicadas para evitar situações de stress hídrico durante períodos de baixa pluviosidade. Acredito que esta seja uma questão particularmente sensível para nós, portugueses, especialmente nas regiões do Alentejo e Algarve. Redes mais eficientes não só reduzem a escassez, mas também diminuem os custos, especialmente no que diz respeito às elevadas perdas de água na transmissão e distribuição. Além disso, a eficiência hídrica permite, de um ponto de vista estratégico, aumentar a capacidade das populações de suportar períodos mais longos de seca, diminuir o risco de destruição de culturas devido à falta de água e, de uma perspetiva social, garantir que as populações possam viver em regiões de risco, que essas regiões permaneçam prósperas e possam desenvolver-se. Isto é essencial para prevenir a desertificação.

  – A escassez de água é uma realidade e em Portugal tem havido alternância de períodos de abundância de água com seca extrema. O Algarve é a região mais penalizada. Que medidas defende para fazer face a este cenário?

É uma questão muito pertinente que, infelizmente, temos tentado resolver há anos. Acredito que seja um problema complexo com várias soluções. Além dos planos de eficiência hídrica já mencionados, é crucial preservar o máximo de água possível antes que chegue ao mar. É uma maneira simplista de ver o problema, mas essencial para reter os fluxos de água doce antes de serem descarregados no mar.

acredito que é necessário também construir Soluções Baseadas na Natureza (NBS) que aumentem a acumulação de águas subterrâneas. Investir em estruturas e projetos como telhados verdes, jardins, parques e espaços verdes maiores que permitam que cidades e regiões funcionem como esponjas (um conceito introduzido por Kongjian Yu) poderia, de facto, aumentar a resiliência de cidades como o Algarve para enfrentar secas.

Os planos apresentados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) incluem medidas muito interessantes, como esforços constantes para reduzir as perdas de água na distribuição, o uso de água não potável tratada para irrigação, entre outras. A reutilização e a melhoria dos processos de tratamento de água também são cruciais aqui para aumentar a capacidade de reciclagem e reutilização da água. No entanto, acredito que é necessário também construir Soluções Baseadas na Natureza (NBS) que aumentem a acumulação de águas subterrâneas. Investir em estruturas e projetos como telhados verdes, jardins, parques e espaços verdes maiores que permitam que cidades e regiões funcionem como esponjas (um conceito introduzido por Kongjian Yu) poderia, de facto, aumentar a resiliência de cidades como o Algarve para enfrentar secas.

– Sabendo que o futuro, apesar de incerto, poderá trazer cenários preocupantes no que toca à disponibilidade de água nos solos e à irregularidade das chuvas, considera-se otimista sobre a possibilidade de, em Portugal especificamente, conseguirmos ter uma boa e sustentável gestão da água?

Sim, estou otimista. O problema é real e os cenários podem ser assustadores, mas é nestas condições que devemos trabalhar em direção a uma solução para a gestão da água. Sempre tivemos um forte compromisso com a gestão e tratamento de água, sendo consistentemente um dos países líderes na Europa nesse campo. É possível ver muitas autarquias nacionais a implementar medidas de gestão hídrica mais eficazes e até a aumentar a resiliência da água. Atualmente, Portugal possui especialistas altamente qualificados nessas áreas e existe um desejo coletivo de alcançar uma melhor gestão desse recurso essencial, além de um sentido de urgência. Estes são os ingredientes que me fazem sentir confiante sobre o futuro da água em Portugal.





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