Entrevista a Sara Cerdas: “Portugal tem várias especificidades que o tornam altamente vulnerável às descargas poluentes provocadas por navios”



O Parlamento Europeu aprovou hoje sanções mais pesadas para a poluição em mares europeus por parte de navios. Sara Cerdas, eurodeputada e negociadora deste relatório pelo S&D, falou com a Green Savers para explicar o que está em causa e sobre os desafios que persistem no nosso País.

Segundo a eurodeputada, a revisão da diretiva sobre a poluição causada por navios tem como principal objetivo “cumprir o Pacto Ecológico Europeu, prevendo um conjunto de sanções, nomeadamente penais, para qualquer descarga ilegal que ocorra nos mares europeus”.

O principal desafio que Portugal enfrenta é a monitorização de possíveis descargas ilegais, “uma vez que o elevado fluxo de navios que todos os dias navegam junto à nossa costa pode causar alguma demora na análise e resposta aos alertas que as autoridades marítimas portuguesas recebem – e em muitos dos casos podem tratar-se de falsos alertas”, explica Sara Cerdas.

O relatório foi aprovado com 583 votos a favor, 27 contra e 12 abstenções.

O que é que está em causa e o que irá mudar com este documento?

A revisão da diretiva sobre a poluição causada por navios tem como principal objetivo cumprir o Pacto Ecológico Europeu, prevendo um conjunto de sanções, nomeadamente penais, para qualquer descarga ilegal que ocorra nos mares europeus. A existência de elementos sancionatórios funciona como um fator preventivo para futuras ações poluidoras causadas por navios.

Com um texto revisto e adaptado aos novos desafios, a União Europeia ganha uma ferramenta mais eficaz para proteger os ecossistemas marinhos de possíveis focos de poluição e um conjunto mais apertado de sanções para as empresas de navegação que poluem as nossas costas.

Quais os Principais objetivos da diretiva revista e quais os principais elementos da nova diretiva?

Os principais objetivos da revisão é alinhar a diretiva com as regras dos Regulamentos Internacionais, nomeadamente a Convenção de MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios), com o objetivo de uniformizar as regras já existentes nos casos de poluição causada por navios. A revisão também visa prevenir qualquer tipo de descarga ilegal e pretende melhorar a base de dados da Agência Europeia da Segurança Marítima – EMSA (CleanSeaNet), o que conduz a uma efetiva cooperação entre os Estados-Membros.

A principal novidade da revisão é o alargamento do âmbito de aplicação da diretiva para abranger um conjunto mais amplo de substâncias poluentes, onde se inclui os pellets, pequenas esferas de plástico que em janeiro de 2024 causaram um dos maiores atentados ambientais na Galiza. Por fim, considero importante referir que a nova diretiva garante um quadro jurídico reforçado para sanções e a sua aplicação aos agentes.

Sara Cerdas é negociadora pelo S&D da revisão da diretiva que prevê as alterações às regras de poluição por navios. Quais as maiores dificuldades sentidas nesta negociação?

O processo de negociação foi positivo. A grande maioria das sugestões, que negociei em nome do meu grupo político S&D, foram aceites.

Embora a negociação tenha decorrido na base de um debate saudável e muito participativo de todos os grupos políticos, existiram algumas dificuldades, nomeadamente na ambição a dar ao texto final. Só um texto verdadeiramente ambicioso, que proteja os nossos mares das descargas ilegais de elementos químicos, conseguirá cumprir com o Pacto Ecológico Europeu e acabar com os atentados ecológicos que a costa europeia sofre todos os anos. O resultado foi, felizmente, reflexo desta ambição.

Disse que “apesar das regras vigentes na União Europeia para prevenir a poluição causada por navios, persistem desafios, particularmente nas águas portuguesas”. Que desafios são esses no nosso País?

Portugal tem várias especificidades que o tornam altamente vulnerável às descargas poluentes provocadas por navios. A sua Zona Económica Exclusiva, uma das maiores do mundo, é passagem de milhares de navios mercantes e os portos nacionais são ponto de chegada e partida de navios de cruzeiro.

Este grande fluxo marítimo transforma o nosso país suscetível a desastres ecológicos causados pelas descargas ilegais destas embarcações.

O principal desafio que Portugal enfrenta é a monitorização de possíveis descargas ilegais, uma vez que o elevado fluxo de navios que todos os dias navegam junto à nossa costa pode causar alguma demora na análise e resposta aos alertas que as autoridades marítimas portuguesas recebem – e em muitos dos casos podem tratar-se de falsos alertas.

Os países da UE, a partir da aprovação, têm 30 meses para transpor as novas regras para o direito nacional e preparar-se para a sua aplicação. Portugal preveniu-se para esta transição?

Portugal, e todos os Estados-Membros, estão bem preparados para transpor a diretiva para as regras nacionais. Esta diretiva não é nova, trata-se de uma revisão mais apertada, pelo que o enquadramento jurídico nacional não é estranho a estas regras. O que existe com esta nova revisão é um melhoramento na aplicação da diretiva e uma uniformização das normas que eram já aplicadas nos Estados-Membros.

De que forma é que “apertar” as exigências no que toca à poluição marinha pelos navios pode também contribuir para os esforços de conservação da biodiversidade, especialmente no âmbito do Acordo de Kunming-Montreal e da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030?

A aplicação de sanções previne descargas ilegais nos mares europeus, cumprindo o princípio do poluidor-pagador. O objetivo é reduzir o número de casos de poluição que afetam diretamente os nossos ecossistemas marinhos.

A revisão da diretiva cumpre os objetivos principais da Convenção de Kunming-Monterral, na redução dos riscos de poluição e as suas repercussões negativas, a fim de atingir a meta de restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030.

A revisão desta legislação ajudará a proteger a saúde e os meios de subsistência das comunidades mais dependentes dos recursos e ecossistemas marinhos? Como?

Sim. O objetivo principal é a redução dos desastres provocados pelas descargas ilegais decorrentes de navios. Ao proteger os ecossistemas marinhos europeus e as atividades económicas diretamente dependentes, estamos a assegurar uma economia mais próspera. E são muitos os setores que dependem dos nossos mares, em especial o setor das pescas – que está diretamente ligado ao consumo humano. Este relatório e muitos outros que estão em revisão pretendem colmatar todos os níveis de poluição, desde os mares à redução da utilização, por exemplo, dos próprios plásticos.

Especialistas de todo o mundo apresentam estudos inovadores sobre como os micro e nanoplásticos, uma vez inalados ou ingeridos, se comportam ao chegarem aos nossos pulmões e cérebros. É por isso que precisamos de avançar com uma perspetiva interdisciplinar que envolva a ciência, a inovação, a indústria e as políticas públicas para enfrentar estes problemas que põem em causa a sobrevivência dos ecossistemas e a saúde animal e humana.

Esteve nomeada para o prémio Eurodeputada do Mandato (2019-2024). A distinção surge no âmbito do trabalho que a eurodeputada socialista tem vindo a desenvolver em prol dos cidadãos europeus, em áreas como a Saúde, o Ambiente, a Proteção Civil, entre outras. Ao nível do Ambiente que evoluções destaca quer a nível europeu quer nacional e o que é que ficou aquém do que esperava?

A UE evoluiu nos últimos anos significativamente e está comprometida em reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2023, e em garantir uma União Europeia com um impacto neutro no clima até 2050. Os investimentos têm, por isso, de estar em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e com o Acordo de Paris sobre o Clima.

Neste mandato, tive a oportunidade de negociar um relatório que visa garantir que todos os novos carros e carrinhas vendidos na UE terão emissões zero a partir de 2035.

A transição climática é uma prioridade e estamos empenhados em assumir a liderança no combate mundial às alterações climáticas.

Os Estados-Membros e os planos nacionais devem cumprir este desígnio e adaptar as estratégias às suas realidades, mas a análise sobre os resultados das medidas adotadas virá a médio e longo prazo. Não obstante, Portugal tem sido um dos países que mais tem tomado a dianteira nesta matéria. Foi, por exemplo, o primeiro país do mundo a reconhecer o clima como Património Comum da Humanidade na sua legislação, com a aprovação da Lei de Bases do Clima.

*Com Filipe Pimentel Rações

 





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