Investigação liderada pela Universidade do Porto revela o que se comia no Império Romano



Uma equipa liderada por investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do Porto, conseguiu, pela primeira vez, extrair e sequenciar ADN antigo encontrado na fábrica de salga da vila Romana de Adro Vello, em Espanha, permitindo vislumbrar as dietas humanas baseadas em peixe durante o Império Romano.

O estudo, publicado na revista ‘Antiquity’, mostra que os tanques de salga utilizados para fermentar o peixe em pastas e molhos populares em todo o Império Romano usavam sobretudo sardinhas europeias como principal ingrediente.

Esta descoberta foi possível porque a equipa que integrou os investigadores Paula F. Campos e Gonçalo Themudo, do CIIMAR, desenvolveu um método inovador que consegue identificar restos de animais quando estes já estão danificados de forma irreconhecível.

Em comunicado, os cientistas explicam que o peixe era uma fonte vital de proteínas para os romanos e era frequentemente conservado através da salga e da fermentação, para produção de pastas e molhos de peixe. O mais famoso era o garum, um molho popular como tempero e condimento com sabor a umami. Era preparado tanto para consumo local como para ser comercializado a longas distâncias por todo o império, por se manter comestível durante muito tempo.

Reconstrução 3D da fábrica de salga de peixe de Adro Vello. A localização da cuba está assinalada com uma estrela vermelha. Imagem: Departamento de Arqueologia da Universidade de Vigo.

Assim, foram construídas fábricas de salga de peixe em grande escala, conhecidas como cetariae, nas zonas costeiras, particularmente nas costas atlânticas da Hispânia (atual Península Ibérica) e de Tingitana (atual Marrocos), que eram famosas pelos seus molhos de peixe.

“Restaurar” o ADN dos peixes

Dado que muitas vezes não é possível identificar os tipos de peixes nas cetariae apenas pela observação, pois os seus ossos são intencionalmente esmagados para a produção dos molhos, os investigadores tiveram de encontrar novas formas de chegar às respostas,

“As espinhas de peixe são um achado frequente no registo arqueológico do período romano, mas a sua utilização em estudos arqueogenómicos é residual, provavelmente devido à natureza fragmentária dos restos, que dificulta a identificação da espécie ou mesmo do género”, explica, em nota, Paula F. Campos, principal autora do estudo.

Para conhecer mais sobre as espécies utilizadas nas dietas romanas para a confeção de alimentos como o garum, é necessário recorrer a análise ADN antigo, o que não é tarefa fácil. As principais técnicas utilizadas para fazer este tipo de análise não são suficientes uma vez que, no caso das pastas e molhos de peixe, os processos de trituração e fermentação aceleram a degradação do ADN.

Para contornar essa barreira, a equipa desenvolveu o que descreve como “um método inovador” para analisar o ADN de vestígios de peixe das cubas romanas de fermentação de peixe na fábrica de salga do sítio arqueológico da vila Romana de Adro Vello.

Os principais resultados deste trabalho mostram que o novo método foi eficaz na identificação das espécies correspondentes aos vestígios encontrados na fábrica de salga. Além disso, comparando as sequências de ADN dos vestígios arqueológicos com as espécies atuais, foi possível perceber que estas cubas serviam para salgar sardinhas da época romana e que estas estão estreitamente relacionadas com as que se encontram atualmente na mesma zona, o que segundo os investigadores confirma “a continuidade genética apesar da elevada mobilidade da espécie”.

“Neste estudo, demonstramos que o DNA utilizável pode sobreviver em ambientes de fermentação, como as salmouras usadas pelos romanos para fazer garum”, refere Paula Campos.

“Apesar de suportar condições que promovem a degradação do ADN, os métodos que descrevemos permitem a identificação de espécies a partir destes ossos processados”, acrescenta a cientistas portuguesa.

A equipa acredita que a nova metodologia tem implicações significativas para o estudo de restos arqueológicos de peixes no futuro, permitindo compreender não só a evolução destas espécies, mas também a história da sua ligação ao ser humano.






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