Mais de metade dos portugueses preocupa-se com o futuro do planeta. Mas apenas 14% compra produtos sustentáveis

Estudo da Escolha Sustentável, sistema da ConsumerChoice de avaliação da sustentabilidade de produtos, serviços e medidas, revela que 55% dos consumidores portugueses está preocupado com o futuro do planeta, mas apenas 14% dizem já comprar produtos sustentáveis ou andar de transportes alternativos ao automóvel.
O inquérito foi feito a 850 pessoas e revela uma consciência ambiental crescente por parte dos consumidores, e um esforço coletivo para adotar estilos de vida mais responsáveis. Contudo, são ainda evidentes os obstáculos que dificultam a mudança de hábitos e comportamentos.
A maioria dos consumidores acredita que as suas escolhas podem impactar o mundo (81%) e que todos temos igual responsabilidade por promover o consumo sustentável (51%). Neste sentido, 37% dos participantes procura frequentemente informação sobre a origem ou impacto dos produtos que compra e 35% fazem-no ocasionalmente.
Para grande parte dos entrevistados, os valores mais associados à sustentabilidade são a saúde e bem-estar e a justiça social (cerca de 70%), seguidos pela ética nos negócios (53%). Só metade dos inquiridos atribuiu elevada importância a conceitos como: consumo responsável, direitos dos animais e sustentabilidade ambiental (50%).
De acordo com o estudo, a alimentação é o setor que desperta maior preocupação entre os consumidores (20%), desde o momento da escolha dos produtos, ao do consumo consciente, especialmente no esforço para evitar o desperdício. 39% preocupa-se frequentemente com a origem dos alimentos que consome e 22% está sempre atento a esta questão. No entanto, esta é também a área que enfrenta os maiores desafios, com obstáculos como o preço elevado, oferta reduzida e pouco acessível de produtos sustentáveis.
Embora 51% considere critérios éticos ou ambientais ao comprar roupa, moda e vestuário é o segundo setor mais mencionado (17%) no que diz respeito à dificuldade em consumir de forma “consciente”. Isto está relacionado com o número limitado de opções no mercado, pois quando há produtos mais ecológicos são por vezes inadequados às necessidades ou muito caros. Além disso, o mercado da fast fashion continua a ser mais acessível, tornando assim difícil a transição para opções ecológicas.
Na vertente de transporte e mobilidade as dificuldades em adotar um estilo de vida sustentável resultam da falta de alternativas públicas e do custo das opções mais ecológicas. Ao escolher o seu meio de transporte 49% tem em consideração o impacto ambiental do mesmo e 39% afirma ter isso em consideração às vezes. No entanto, 54% indica o carro próprio como o seu meio de deslocação mais frequente. Os transportes públicos (27%) e andar a pé (14%) são também citados pelos entrevistados.
Quando questionados sobre quais os fatores que mais influenciam no momento da compra, 48% dos portugueses dão prioridade à qualidade e 34% ao preço. Apenas 11% refere o impacto ambiental ou social como critério decisivo. Ainda assim, os consumidores mostram-se dispostos a pagar mais por produtos que sejam justos, ecológicos e de produção local. Somente 7% afirma não estar disposto a pagar qualquer valor adicional por este tipo de artigos.
A estes fatores junta-se ainda a desconfiança face ao greenwashing, com muitos dos inquiridos céticos quanto à veracidade das alegações ambientais feitas por diversas empresas, o que reduz a confiança em produtos classificados como sustentáveis.
Relativamente às práticas sustentáveis implementadas no dia a dia, destacam-se a poupança de água e energia (23%), a separação dos resíduos recicláveis (23%) e a reutilização de embalagens (22%). Já a compra de produtos sustentáveis (14%) ou a utilização de transportes alternativos ao automóvel têm menor expressão (13%). Todavia, 45% dos participantes evita produtos de empresas que contrariam as suas convicções, 51% afirma fazê-lo às vezes e 4% admite não evitar estes artigos. No último ano, 25% reduziu o uso de plástico, 23% optou por arranjar ou reutilizar produtos em vez de comprar novos e 14% comprou artigos em segunda mão. No caso dos equipamentos eletrónicos, 69% dos consumidores prefere reparar antes adquirir um novo.
As barreiras ao consumo sustentável
Os inquiridos alertam ainda que a mudança de comportamento só será sustentável se houver acesso facilitado, transparência e preços mais justos. Além disso, a falta de informação adequada sobre os benefícios e as melhores práticas de consumo sustentável também representa um desafio, assim como a falta de tempo para adotar novas rotinas mais ecológicas.
Em declarações à ‘Green Savers’, Nassrin Majid, Diretora Geral da ConsumerChoice, explica que “há um conjunto de condicionantes” que fazem com que haja uma distância entre a intenção e a ação.
“Por um lado, o preço elevado continua a ser uma barreira. O consumidor, não apenas em Portugal, mas também noutros países, ainda olha para a sua carteira antes de olhar para a pegada ecológica. Por outro lado, a oferta de produtos sustentáveis permanece limitada e pouco acessível, sobretudo em setores como a alimentação ou a moda, onde muitas vezes o mercado mais ecológico não acompanha as necessidades reais de quem consome”, detalha a responsável.
A somar a isso, há o que Nassrin Majid descreve como “uma dimensão crítica”: a desconfiança face ao greenwashing.
“Num contexto em que várias empresas comunicam preocupações ambientais, mas nem sempre as concretizam, os consumidores tornam-se mais céticos e retraídos no momento da compra”, afirma. Por isso, considera que “é urgente que as empresas comuniquem as suas iniciativas de forma honesta e transparente, de modo a transformar a intenção em ação”.
Só dessa forma, sustenta, será possível “facilitar escolhas informadas, estimular a adoção de hábitos de consumo mais responsáveis e, em última instância, reforçar a confiança dos consumidores nas marcas verdadeiramente comprometidas com a sustentabilidade”.
Apesar dos obstáculos, para Nassrin Majid não há quaisquer dúvidas sobre a evolução positiva da preocupação dos consumidores para alterarem os seus comportamentos de forma a protegerem o ambiente.
“Mais de metade dos portugueses já integrou práticas de consumo consciente no seu dia a dia, desde a redução do desperdício alimentar, à separação de resíduos, passando pela compra de artigos em segunda mão ou pela opção de reparar em vez de substituir”, aponta a Diretora Geral da ConsumerChoice. “Prova disso é que 69% dos consumidores prefere reparar os seus equipamentos eletrónicos, uma escolha que traduz não apenas preocupação ambiental, mas também racionalidade económica.”
Para a responsável, a economia circular “começa a ganhar espaço nos orçamentos familiares, deixando de ser um conceito abstrato para se tornar numa estratégia prática de poupança e sustentabilidade”. A crescente adoção dessa forma de consumo “evidencia que o consumidor está disponível para mudar, mas que essa mudança não pode acontecer de forma isolada”, diz. Para tal, a transparência, o acesso facilitado e preços justos são “condições essenciais para transformar boas intenções em hábitos consistentes”, acrescenta.
“Na ConsumerChoice acreditamos que o caminho para um consumo sustentável não se constrói apenas com campanhas de sensibilização. Exige também uma responsabilidade acrescida das marcas, que devem assegurar soluções mais acessíveis, credíveis e alinhadas com os valores ambientais e sociais que os consumidores procuram. E é também esse o nosso papel: dar visibilidade e ajudar a comunicar as marcas que estão realmente comprometidas com a sustentabilidade”, declara Nassrin Majid.