Massas de ar quente de África e redução dos ventos tornam o Mediterrâneo especialmente vulnerável a ondas de calor marinhas

Praias de águas quentes podem ser consideradas apetitosas para muitos banhistas, mas facto é que, frequentemente, escondem consequências devastadoras para os ecossistemas marinhos e para as comunidades locais.
Um grupo de cientistas descobriu que a conjugação das trocas de calor entre o ar e o mar com processos oceanográficos (as dinâmicas físicas, químicas e biológicas dos mares e oceanos) tornam o Mar Mediterrâneo especialmente vulnerável às ondas de calor marinhas.
Liderada pela Fundação CMCC, a investigação publicada esta semana na revista ‘Nature Geoscience’ analisou centenas de registos de ondas de calor marinhas desse mar, com dados recolhidos por satélite, e revela que as intrusões de ar quente que sopra do continente africano para a Europa fazem muito mais do que apenas aumentar a temperatura do ar.
Dizem os cientistas que essas vagas de ar quente acontecem frequentemente durante o verão, mas é quando se tornam persistentes que os problemas surgem. Bafejando o Mediterrâneo durante mais de cinco dias, a velocidade das correntes de ar (o vento) é substancialmente reduzida e o mar deixa de conseguir libertar tanto calor para a atmosfera, e as águas superficiais aquecem rapidamente.
Os resultados apontam que 63,3%, 46,4% e 41,3% das ondas de calor marinhas nas regiões ocidental, central e oriental do Mediterrâneo, respetivamente, acontecem em períodos em que essas massas de ar quente e a redução do vento se conjugam. Salientam os investigadores que esses são números notáveis, uma vez que a combinação desses dois fatores só tende a acontecer entre 8,6% e 14,6% dos dias de verão.
Com a redução dos ventos e a persistência de massas de ar quente sobre as suas águas, o Mar Mediterrâneo torna-se mais quente, para deleite de muitos veraneantes, mas para mal da biodiversidade que nele habita. Estimam os autores que quando esses dois fatores de conjugam é quatro a cinco vezes mais provável que se forma uma onda de calor marinha.
Para este grupo de investigadores, os resultados do trabalho ajudam a desvendar os mistérios da suscetibilidade do Mediterrâneo às ondas de calor marinhas, com Giulia Bonino, primeira autora do artigo, a dizer, em nota, que “é muito gratificante identificar a mecânica por trás de um fenómeno que estudamos há anos”.
O Mediterrâneo é já considerado o mar que mais rapidamente está a aquecer em todo o mundo (20% acima da média global), sobretudo por causa das alterações climáticas, com danos potencialmente irreversíveis na sua outrora vibrante biodiversidade.