O lado negro do mercado de resíduos eléctricos e electrónicos



O volume de aparelhos eléctricos e electrónicos incorrectamente geridos na Europa (4,7 milhões de toneladas) é dez vezes maior do que o dos resíduos electrónicos exportados para outros países sem documentação (400.000 toneladas), de acordo com uma investigação de dois anos sobre o funcionamento do mercado de Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE).

Denominada Countering WEEE Illegal Trade (CWIT), a investigação foi financiada pela União Europeia e desenvolvido em Portugal pela Amb3E – responsável pela Rede Electrão –, enquanto membro do WEEE Forum. Internacionalmente, contou com a condução da INTERPOL, Universidade das Nações Unidas (UNU), Instituto Inter-regional de Investigação de Crime e Justiça das Nações Unidas (UNICRI), o WEEE Forum, a Cross Border Research Association, Zanasi & Partners e Compliance and Risks.

Segundo dados deste projecto, tendo em conta os dados europus, apenas 35% (3,3 milhões de toneladas de um total de 9,5 milhões de toneladas) de REEE e equipamentos usados (mas ainda a funcionar) descartados por empresas e consumidores em 2012 acabou em sistemas de encaminhamento e valorização de resíduos oficiais. Em Portugal, estima-se que este valor seja de cerca de 25%, o que significa que todos os outros resíduos vão para sistemas não formais, lixo indiferenciado ou não há registo deles.

“O projeto CWIT foi lançado para identificar as lacunas em termos de regulação e procedimentos e para sugerir melhorias tangíveis no tratamento e gestão de REEE. Estas são questões de vital importância e necessitam de uma maior atenção e fiscalização no contexto internacional”, salientou Pedro Nazareth, director-geral da Amb3E.

O estudo estima que 1,3 milhões de toneladas de aparelhos descartados tenham saído da UE através de exportações sem documentos. Destes, 30% (cerca de 400.000 toneladas) tratam-se de resíduos e 70% de equipamentos ainda a funcionar.

Ainda segundo a investigação, a segurança não está garantida nem mesmo nos poucos estados membros da UE com sistemas de report robustos e eficientes, monitorização de esforços despoluidores e processos de tratamento segundo as normas. O roubo generalizado de componentes valiosos destes resíduos, como placas de circuito impresso e metais preciosos, resulta em perdas significativas de materiais e recursos estimadas entre os €800 milhões e os €1,7 mil milhões.

Recorde-se que estudo da UNU, desenvolvido no ano passado, permitiu concluir que os materiais nocivos para a saúde humana e ambiente contidos nas 41,8 milhões de toneladas de aparelhos descartados incluem chumbo no vidro (estimadas 2,2 milhões de toneladas), baterias (300.000 toneladas), mercúrio, cádmio, chrómio e substâncias que destroem a camada do ozono (CFCs, 4.400 toneladas).

Harmonização de definições, enquadramento legal e penalidades

Os inquéritos nacionais da INTERPOL mostram que, em média, apenas há registo de 2.000 toneladas (0,5%) de exportações anuais da UE que tenham sido impedidas através de operações que levaram a alguma forma de sentença, multa ou coima.

O relatório assinala que 30% dos membros da UE não implementaram as regulações estritas requeridas pela última versão da diretiva dos REEE e que as penalidades nacionais típicas para infrações nacionais não são altas o suficiente para prevenir que estas aconteçam.

Por outro lado, são necessárias melhores directivas e definições formais para ajudar as autoridades a fazerem a distinção entre o que são aparelhos usados ainda funcionais e os aparelhos que são resíduos e que serão encaminhados para reciclagem ou eliminação. Os peritos também sugerem que haja uma harmonização das penalidades de forma a simplificar o cumprimento da lei em casos trans-fronteiriços, e para evitar que os criminosos transfiram as suas atividades para países de menor risco, dentro da UE.  Neste momento, as penalidades financeiras e penas de prisão para o comércio ilegal de lixo electrónico variam enormemente de país para país.

Para além da falta de gestão, o projeto CWIT revelou casos de fraude, evasão fiscal e lavagem de dinheiro, o que abre a porta à aplicação de queixas por crimes financeiros.

Actividades Criminais 

A análise de caso das atividades ilegais revela vulnerabilidades em toda a cadeia de gestão de equipamentos eléctricos usados e resíduos: recolha, consolidação, fragmentação, tratamento e transporte. As ilegalidades incluem tratamento inapropriado e violações às regulações da UE, roubos, falta de licenças necessárias, contrabando e falsas declarações.

Em alguns países, há envolvimento do crime organizado em cadeias ilegais de resíduos, concluíram os investigadores, mas as suspeitas de uma ligação mais forte não são corroboradas pela informação atual. “A recolha de mais informação e um maior intercâmbio irá levar a um melhor entendimento” deste aspecto específico da questão, afirmam os investigadores, adicionando que os participantes observados neste tipo de crimes são sobretudo comerciantes individuais e empresas, que cooperam em redes espontaneamente organizadas e que cometem ilegalidades ad-hoc.

“Enquanto actividade lucrativa, com baixo risco de detecção, esta forma de comércio ilegal é vulnerável à sua exploração, algo que os governos deveriam prevenir ao usar uma combinação de penalidades administrativas e criminais que reflictam o valor destes lucros ilícitos, bem como o grande prejuízo ambiental e social envolvido. As entidades que têm que assegurar o cumprimento da lei têm que ser mais proactivas em termos de investigações de lixo electrónico ilícito, complementadas pelo reforço das acusações e sentenças”, concluiu David Higgins, director do Departamento de Segurança Ambiental da INTERPOL e coordenador do projecto.

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Foto: Lennart Tange / Creative Commons





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