O que a queda do Governo significa para o Ambiente e a Natureza em Portugal?



Há duas semanas, o Governo minoritário da Aliança Democrática (AD) liderado pelo Primeiro-ministro Luís Montenegro caiu, mergulhando uma vez mais o país num clima de incerteza política e abrindo caminho às terceiras eleições legislativas em três anos.

Com a queda do governo, o futuro de projetos e iniciativas que estavam já em marcha ou na calha foram atirados para um limbo. Se em maio entrar um novo executivo de outra cor política, é possível que parte da agenda governativa seja dispensada, repensada ou mesmo rejeitada, repercussões que se poderão fazer sentir nas várias áreas, incluindo Ambiente e Conservação da Natureza.

Em declarações à Green Savers, Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas da organização WWF Portugal, admite que “receamos que a queda do governo implique uma pausa, mesmo que parcial, em processos em curso”.

Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas da organização WWF Portugal.
Foto: WWF Portugal

Entre eles está o Plano de Ação Nacional para a gestão e conservação de tubarões, raias e quimeras, que vem já dos tempos de António Costa, com o despacho para a criação do grupo de trabalho que está encarregue de elaborar esse plano a ser publicado em julho de 2023. Desde então, não foram comunicados publicamente quaisquer avanços significativos nesse campo.

Outra “ponta” que fica “solta” é o Programa Alcateia 2025-2030, cuja elaboração foi determinada pelo Governo de Montenegro no final de janeiro deste ano, e que tem como objetivo reforçar os esforços de conservação dos lobos-ibéricos em Portugal, nomeadamente através da reavaliação do Plano de Ação para a Conservação do Lobo (conhecido como PAC Lobo).

Além desses dois pontos-chave, ficam também em suspenso a criação do Plano Nacional de Restauro da Natureza, cujo grupo de trabalho foi criado em outubro do ano passado e a revisão da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030, que devia ser apresentada em maio (que agora é mês de eleições antecipadas), bem como a continuação do processo de aprovação de Zonas Especiais de Conservação (ZEC), uma obrigação do país no âmbito da Diretiva Habitats, da União Europeia, e uma área na qual Portugal demonstra um grande atraso ainda.

Como se não bastasse, o funcionamento da Agência do Clima fica comprometido, a abertura de avisos do Fundo Ambiental e do Portugal 2030 ficam em terreno incerto, e mesmo a presença de Portugal na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, marcada para junho em Nice (França), fica envolta em incertezas, pois era esperado que o Governo aproveitasse a oportunidade do encontro para anunciar a ratificação do Tratado de Alto Mar.

Contudo, no que toca à moratória em mar profundo, Catarina Grilo acredita que a decisão se devera manter.

“Felizmente, e porque uma parte significativa dos deputados estava comprometida com a aprovação das propostas de uma moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais, a mesma foi aprovada poucos dias depois do chumbo da moção de confiança [que precipitou a queda do Governo] e antes da dissolução do Parlamento”, afirma a responsável.

O que de pior e de melhor se fez em quase um ano de Governo da AD

Em análise ao que o Governo da coligação da AD fez nas áreas de Ambiente e Natureza desde que tomou posse a dois de abril de 2024, Catarina Grilo destaca como um dos pontos mais positivos o voto favorável ao regulamento europeu do restauro da Natureza e o arranque da criação do Plano Nacional de Restauro, a inclusão dos contributos e preocupações das organizações não-governamentais de Ambiente no plano para as eólicas offshore (Plano de Afetação para as Energias Renováveis Offshore – PAER), e a aprovação de algumas ZEC.

Mas a lista dos pontos negativos parece ser mais extensa. Entre os contributos mais negativos do Governo de Luís Montenegro para as áreas de Ambiente e Natureza, a especialista da WWF Portugal elenca o apoio dado à proposta da Comissão Europeia que reduziu o estatuto de proteção do lobo na Europa e que “coloca em risco a conservação da espécie”, a alteração à Lei dos Solos que permitiu “a construção em solos rústicos e terrenos que deveriam ser protegidos pelos seus valores naturais”, o lançamento da estratégia “Água que Une” que “propõe grandes investimentos em infraestruturas cinzentas desencorajadas pela [União Europeia] e com sérios impactos ambientais” com a construção de novas barragens e transvases, e a insistência no projeto da barragem do Pisão que, segundo Catarina Grilo, compromete “futuros Orçamentos de Estado dado que o projeto foi entretanto removido do [Plano de Recuperação e Resiliência]”.

Queda do Governo pode ser oportunidade para melhorias em Ambiente e Natureza?

Lamentando que a área do Ambiente é “uma das mais esquecidas e que não tem recebido a prioridade necessária”, Catarina Grilo antevê que “é natural que em situações como esta ela perca ainda mais importância”.

No entanto, a queda do Governo pode abrir novas oportunidades para melhorias e avanços nas áreas do Ambiente e da Natureza, desde que, argumenta a responsável de Conservação e Políticas da WWF Portugal, “o próximo governo que venha a tomar posse traga consigo um maior compromisso com a conservação da natureza e com o combate às alterações climáticas”.

E esse compromisso deverá ser suportado por “medidas urgentes para garantir o financiamento necessário para a implementação das políticas essenciais para essas áreas”.

Quanto às prioridades que o novo Governo deve ter nas áreas de Ambiente e Natureza, Catarina Grilo destaca o cumprimento da meta de proteção de 30% do território terrestre e marinho até 2030, incluindo os 10% de proteção estrita, a criação e implementação “atempadas” do Plano Nacional de Restauro, a remoção de barreiras fluviais obsoletas, a gestão da água “apostando em soluções baseadas na natureza”, o reforço da proteção do lobo-ibérico e a implementação efetiva do Plano Nacional de Energia e Clima 2030.

A responsável aponta ainda como assuntos que devem estar no topo da agendo do próximo executivo “a implementação imediata do disposto na Lei de Bases do Clima, atendendo a que o seu calendário de implementação se encontra manifestamente atrasado”, a promoção de uma economia de baixo carbono com a eliminação de todos os subsídios e apoios públicos aos combustíveis fósseis, uma maior participação na elaboração do Plano Social Climático, a incorporação de “critérios ecológicos e sociais (critérios não-preço) nos futuros leilões de renováveis offshore”, a criação de um Plano Nacional de Alimentação Sustentável e de uma Estratégia Nacional de Promoção do Consumo de Proteínas Vegetais.

Para a WWF Portugal, também a garantia do “financiamento estrutural que permita o adequado funcionamento dos comités de cogestão das pescarias”, a elaboração do Plano de Ação Nacional para a Gestão e Conservação de Tubarões e Raias e do Plano de Ação para a Mitigação dos Impactos da Pesca sobre Cetáceos, Aves e Tartarugas, e a ratificação do Tratado de Alto Mar devem ser temas prioritários para o novo Governo.

No próximo dia 18 de maio, os portugueses serão, uma vez mais, chamados às urnas para eleger uma nova Assembleia da República e, consequentemente, um novo Governo. Resta agora esperar para ver que grau de destaque dará o próximo executivo às áreas de Ambiente e Natureza, numa altura em que é reconhecida, inclusivamente em discursos políticos, a urgência de combater e reverter as crises planetárias das alterações climáticas, da perda de biodiversidade e da poluição, com as comunidades científica e ambientalista a alertarem profusamente que o que está a ser feito não chega para evitar os piores cenários.






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