R&D Nester: como funciona o ponta-de-lança português da inovação energética



Adivinhar o futuro é das mais complexas missões das empresas, mas a inovação é uma peça muito importante no puzzle do sucesso e contribui em doses industriais para a valorização da companhia, sector, colaboradores e, em último caso, dos consumidores.

Quando se fala de investigação e departamentos de I&D (Investigação & Desenvolvimento), o lucro é quase sempre visto como o elan que conduz a pesquisa na sua sede pelo desconhecido. Mas nem sempre é assim.

Veja-se o caso do R&D Nester, o centro de investigação montado em Lisboa pela REN e State Grid e que é o ponta-de-lança português na pesquisa ligada à energia. Neste laboratório lisboeta, o trabalho tem sido discreto mas nem por isso irrelevante.

“O mundo está a assistir ao que muitos chamam de transição energética e Portugal também será alvo dessa transição”, explicou ao Green Savers o director-geral da R&D Nester, Nuno Souza e Silva. “A tecnologia evolui significativamente: a geração de energia a partir de fontes renováveis torna-se mais eficiente e económica, os veículos eléctricos surgem com mais frequência, o armazenamento de energia continua a desenvolver-se, soluções inteligentes de medida, comunicação e controlo de rede são implementadas nas smart grids. E a figura do consumidor-produtor de energia torna-se mais ubíqua”, refere.

Nesta e na próxima década, segundo o responsável, estes são os desafios da inovação tecnológica, um caminho agora trilhado lado a lado com a preocupação “constante e crescente” com um sistema energético sustentável.

“Isso implica rever as ferramentas e processos utilizados, gerir o envelhecimento das infra-estruturas, a robustez das redes face a eventos extremos, a ciber-segurança”, continua o responsável.

A organização do mercado e dos seus intervenientes, desde o consumidor final até ao regulador, continuará a ser estudada por várias organizações mundiais, incluindo o R&D Nester, que tem actualmente em curso um conjunto de projectos que abordam estas temáticas. “Estudamos, avaliarmos, simulamos e identificamos soluções para os desafios associados, em particular numa óptica das implicações para o transporte de energia e para a gestão global do sistema”, continua.

Um dos grandes desafios é o da gestão da rede com uma maior penetração de energias renováveis. Há que garantir a robustez da rede a custos eficientes, a introdução de tecnologia inteligente nas subestações e operação do mercado em presença de armazenamento.

As renováveis como pivôs do desenvolvimento

Um dos quatro projectos trabalhados pelo R&D Nester tem como pano de fundo a melhoria da gestão de energias renováveis intermitentes, como a eólica e solar. O projecto procura actualizar e desenvolver as ferramentas que permitem ao gestor de sistema operar a rede de uma forma eficiente e segura na presença de uma crescente penetração de energias renováveis.

“Têm sido usados os dados existentes e sempre actualizados no sentido de preparar as respostas do sistema a eventos e fenómenos relacionados com a intermitência das energias renováveis, como por exemplo eventos com grande intensidade de vento, com os consequentes comportamentos dos equipamentos envolvidos”, explicou Nuno Souza e Silva.

Por outro lado, a investigação luso-chinesa procura fazer uma combinação dinâmica das diversas formas de dados que detém, no sentido de optimizar a resposta do sistema, fazendo uso de conceitos de redes neuronais.

“No solar, temos estado a desenvolver formas de estimar de forma mais precisa o comportamento dos equipamentos geradores de energia a partir [desta] fonte. Os algoritmos desenvolvidos e em desenvolvimento procuram garantir que o sistema eléctrico responde de forma eficaz, robusta e eficiente, ao menor custo possível”, explicou o director-geral da R&D Nester.

Todos os quatro projectos da R&D Nester têm em comum a transição para um sistema energético descarbonizado, através do aumento das fontes de energias renováveis – um objectivo várias vezes abordado pela Comissão Europeia. “Um dos projectos em que estamos a trabalhar procura preparar a rede para um crescente nível de energia oriunda de fontes intermitentes, no sentido de garantir o menor custo de operação, a robustez e segurança, e garantia de abastecimento”, explicou Nuno Souza e Silva.

Outra das investigações procura pensar a infra-estrutura, fazendo uso de tecnologias mais inteligentes à medida que estão disponíveis – “estas tecnologias poderão reduzir a pegada ambiental da infraestrutura”.

Há ainda um projecto que procura antecipar o papel do armazenamento nas redes – e em que se inclui a possibilidade de facilitar a maior penetração de energias de fonte intermitente; e outro onde se procura avaliar a forma de comunicação entre os diversos agentes de mercado, de modo a que este esteja preparado para suportar soluções de rede que permitem um sistema energético descarbonizado. “Estamos a falar da “gestão do lado da procura” (“demand side management”) ou veículos eléctricos”, explicou o responsável.

Projecto sem prazo de validade

Os projectos de I&D não têm prazo de validade, e o R&D Nester não foge a esta máxima. “O número de elementos de interesse e objecto de estudo [é cada vez maior], no contexto da transição energética que estamos a viver e que nos acompanhará nas próximas décadas”, explicou Nuno Souza e Silva.

Assim, o R&D Nester poderá vender serviços com base no seu know-how, das capacidades entretanto criadas e dos resultados do seu trabalho de investigação, sempre que for considerado adequado e no âmbito de eventuais acordos de propriedade intelectual estabelecidos. “Sempre que for possível criar valor para o R&D Nester e para a sociedade em geral, iremos considerá-lo”, continuou o responsável.

Por agora, uma equipa de técnicos portugueses e chineses trabalham “de forma eficaz e eficiente” projectos de pequena e grande escala, de forma a encaixarem nas redes dos respectivos países.

“Algumas questões relacionadas com a integração de energias renováveis na rede (…) fazem-se sentir na rede portuguesa de uma forma mais aguda do que na rede chinesa, uma vez que temos uma maior percentagem de energias renováveis face ao total da rede. Por outro lado, aspectos como a concepção de novas subestações que consigam integrar novas tecnologias nos seus equipamentos e na forma de operar, em linha com o desenvolvimento das chamadas smart grids, não dependem, em grande medida, da dimensão das redes em que se inserem, mas sim das funcionalidades pretendidas e necessárias. Nesse sentido há também uma grande conjugação de interesses”, concluiu.

Foto: Bert Kaufmann / Creative Commons





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