Sargos bebés podem ser capazes de “escapar” aos efeitos das alterações climáticas
Na sua fase larvar, o sargo (Diplodus sargus) é capaz de se deslocar para áreas mais adequadas, escapando de ambientes mais adversos, e suportando as alterações climáticas.
A conclusão é de uma investigação conjunta realizada pelo MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e pelo ISPA – Instituto Universitário, e foi revelada num artigo publicado este mês na revista ‘Environmental Pollution’.
Dizem os investigadores, em comunicado, que “esta espécie de peixe (…) pode alterar a sua fisiologia, mantendo-se ativa face ao aquecimento e à falta de oxigénio nos oceanos, o que lhes confere vantagens para suportar as alterações climáticas previstas para final do século”.
Por isso, argumentam que é fundamental perceber os efeitos das alterações climáticas nesta espécie “de elevado interesse comercial”, procurando, assim, “melhor compreender o futuro das populações adultas e sustentabilidade das espécies”.
Depois de eclodirem, as larvas de sargos afastam-se dos locais onde nasceram, junto à costa, podendo percorrer cerca de 200 quilómetros em quatro semanas. Depois de ultrapassado o estado larvar, voltam a aproximar-se das zonas costeiras “onde se tornam juvenis e recrutam para a população adulta”.
Os cientistas avisam que “é durante essa jornada que 80 por cento das larvas pode morrer por causas naturais, mesmo em condições ótimas”.
Como tal, a correta gestão e o uso sustentável dos recursos pesqueiros passarão também, argumentam, por uma melhor compreensão das suas fases larvares, estágios iniciais do ciclo de vida dos peixes. E isso é algo de grande relevância, uma vez que a sobrevivência de um maior número de larvas de peixes pode ter um impacto positivo nas populações adultas.
Para perceberem como os pequenos sargos reagem a águas mais quentes, algo que é mais do que certo dado o avanço das alterações climáticas, a equipa realizou experiências em laboratório. Na sua fase larvar, os peixes foram colocados em tanques e expostos um aumento de temperatura de 4°C e baixa disponibilidade de O2 dissolvido (hipoxia) por um período de 2 semanas.
Essas condições procuram simular o cenário mais pessimista do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) para o final do século, que prevê também a expansão de zonas mortas na costa europeia.
Quando expostos aos efeitos combinados de aquecimento e hipoxia, as larvas de sargos apresentaram uma taxa de mortalidade 50% superior às larvas expostas aos efeitos individuais do aquecimento ou da hipoxia, revelam os investigadores.
Apesar disso, foi possível observar que as larvas sobreviventes são capazes de aumentar a sua velocidade de natação, mesmo quando diminuem a taxa de respiração, a respiração celular e o metabolismo aeróbico em situações de hipoxia.
Ana Faria, investigadora e coautora do estudo, explica que “devido ao aumento da temperatura da água do mar, é expectável que os pequenos sargos acelerem o metabolismo e, consequentemente, aumentem o consumo de oxigénio. Se no futuro, as larvas dispersarem para um habitat mais quente, com menor disponibilidade de oxigénio, elas precisarão de utilizar mecanismos para superar essa situação extrema, ou acabarão por morrer. Apesar destas fases serem extremamente sensíveis a alterações no meio ambiente, por não possuírem ainda tecidos bem desenvolvidos como os peixes jovens e adultos, algumas espécies apresentam capacidades fisiológicas e comportamentais que as podem ajudar a superar situações mais adversas”.
André Lima, primeiro autor do artigo, refere que “uma enzima do metabolismo energético celular, chamada Lactato Desidrogenase e ligada ao metabolismo anaeróbico, estava positivamente relacionada com a velocidade de natação e a distância nadada pelas larvas em situações de hipoxia. Essa capacidade de nadar mais rápido e por distâncias mais longas com pouco O2 disponível para respiração é possível por um mecanismo fisiológico que permite às larvas aumentar a eficiência do metabolismo celular, mesmo quando há pouco oxigénio dentro das células”.
Os autores do estudo referem ainda que “essa é uma vantagem evolutiva de espécies ativas que permitiu as larvas serem tão tolerantes a hipoxia quanto são os sargos adultos, mas tal vantagem só será favorável se as zonas mortas e mais quentes não se expandirem ao ponto de impedir que as larvas se desloquem para fora delas no futuro”.