50 anos do 25 de abril na área do ambiente: Qual a evolução da gestão dos recursos hídricos?



De 24 a 26 de abril, a Green Savers aborda, com a ajuda de especialistas, a evolução de alguns setores da área do ambiente nestes 50 anos do 25 de abril. Para o Professor Adelino Silva Soares da Universidade Lusófona, o “uso e a ocupação indevida dos leitos de cheia provocaram significativos prejuízos que poderiam ter sido minimizados se tivesse havido racional utilização do território”.

– Quais as mudanças mais significativas no setor, nomeadamente o modelo de gestão dos recursos hídricos, considerando a sua história, administração e legislação?

A água é um recurso natural muito relevante para o equilíbrio do ambiente, no entanto, o seu excesso (cheias e consequentes inundações) ou a sua escassez (secas) são uma ameaça para os ecossistemas naturais e antrópicos.

Numa perspetiva global de disponibilidade de água, podemos afirmar, que Portugal não é um país carenciado, verificando-se, no entanto, situações de secas sazonais, em algumas regiões conduzindo a problemas quantitativos e igualmente qualitativos.

Em síntese os recursos hídricos nacionais apresentam uma relativa abundância, mais abundantes a norte e mais escassos a sul do rio Tejo, com acentuada sazonalidade e irregularidade entre anos, tornando o território muito vulnerável a estes fenómenos extremos com relevantes prejuízos ambientais, económicos e sociais.

Os nossos rios, apresentam um regime hidrológico torrencial, com grandes cheias nos períodos de maior pluviosidade e caudais reduzidos nas épocas de seca.

O uso e a ocupação indevida dos leitos de cheia provocaram significativos prejuízos que poderiam ter sido minimizados se tivesse havido racional utilização do território. Verificou-se, pois, que medidas estruturais de proteção não serão suficientes quando não existe um correto planeamento integrado do meio físico.

Nestas situações, deveriam ser discutidas as interações do ordenamento do território, com as condições de impermeabilização e edificação nas zonas inundáveis, com as alterações da rede de drenagem natural e construída, que se refletem na intensificação de inundações, com o aumento da vulnerabilidade de pessoas e bens. Por outro lado, a manutenção de condições de permeabilidade dos solos e a instalação de zonas naturalizadas contribui para a redução dos riscos e aumento da qualidade ambiental das zonas inundáveis. Assim, a tomada de decisões urbanísticas reflete‑se nas alterações de uso dos solos, podendo agravar os riscos de inundações, ou, por outro lado, contribuir para uma retenção e infiltração das águas, reduzindo a vulnerabilidade e incrementando a melhoria do meio.

Sem dúvida que a água se tornou um fator estruturante da habitabilidade dos territórios, essencial à vida e recurso insubstituível de produção estando a governação da água sempre associada aos sistemas de poder em cada sociedade e território, pelo que o seu controlo é parte essencial do poder económico e do poder político, bem como um direito inalienável das populações. Desde sempre se registam lutas pela água pelo que o seu uso foi regulamentado nas mais antigas civilizações que se conhecem sendo importante refletir sobre este assunto.

Os direitos relacionados com a água, no início do século XX, não ocupavam uma posição de destaque na comunidade internacional em termos de proteção ambiental e acesso universal. Contudo, a partir da década de 70 do século passado, a pressão sobre o recurso água aumenta surgindo então os direitos à água, que podem ser analisados sob diversas perspetivas quando se consideram os seus múltiplos usos e a sua importância para a vida e para os ecossistemas.

Tornou-se necessário ter o conhecimento do funcionamento hidrológico das várias sub-bacias integrantes de uma grande bacia hidrográfica, pois numa situação de chuva generalizada, cada uma delas responderá de modo diferente, não só pelo estado das suas reservas hídricas ou pela precipitação que recebe, mas também pelo seu coberto vegetal e as suas características geomorfológicas. Assim o dinamismo da bacia só será percebido através da abordagem integrada dos vários elementos constituintes do território.

O rápido desenvolvimento técnico-científico do século XX tornou necessário que fossem criados novos direitos. As preocupações relacionadas com o bem-estar humano passaram a ganhar destaque em leis e acordos, por vezes vagos e heterogéneos, tendo como principal objetivo o direito de se viver num ambiente saudável.

A relação entre ambiente e qualidade da vida trouxe à realidade a questão da disponibilidade de água e seu impacte na autonomia dos indivíduos. A consciencialização de se estar perante um recurso natural imprescindível, finito, vulnerável e escasso, aliado ao progressivo aumento do seu consumo, a degradação das reservas, o elevado número de excluídos hídricos, a competição entre os diversos usos e a tendência à sua mercantilização geraram a necessidade da “humanização” do direito internacional das águas que tradicionalmente se preocupava apenas com questões de navegabilidade ou de fronteiras, mas não com o produto em si e o acesso a ele por parte das populações.

 – Quais os maiores desafios ao longo destes 50 anos?

Pelos motivos anteriormente referidos, e forçado por alguns eventos catastróficos ocorridos no final dos anos 60 e nos anos 70 do seculo passado, principalmente na região de Lisboa, fez com que a delimitação de leitos de cheia fosse considerada relevante na gestão dos recursos hídricos.

A partir dos anos 50 com relevância nos anos 70, a construção de barragens levou a acreditar que se tinham resolvido os problemas da bacia do Tejo, o que as cheias de 1978/79 (em fevereiro de 1979 deu-se a maior cheia do século) e as grandes cheias de dezembro de 1989, vieram demonstrar a insuficiência do conhecimento do funcionamento hidrológico da grande bacia na dinâmica do rio.

Constatou-se que na realidade as barragens diminuíram os problemas criados pelas cheias de menor dimensão ao reterem, nas suas albufeiras, os acréscimos de caudais, mas no caso das grandes cheias aumentaram os caudais de ponta conduzindo a situações dramáticas com a necessidade de abertura das comportas em cadeia e à destruição de vários diques de proteção.

O uso e a ocupação indevida dos leitos de cheia provocaram significativos prejuízos que poderiam ter sido minimizados se tivesse havido racional utilização do território. Verificou-se, pois, que medidas estruturais de proteção não serão suficientes quando não existe um correto planeamento integrado do meio físico.

Tornou-se necessário ter o conhecimento do funcionamento hidrológico das várias sub-bacias integrantes de uma grande bacia hidrográfica, pois numa situação de chuva generalizada, cada uma delas responderá de modo diferente, não só pelo estado das suas reservas hídricas ou pela precipitação que recebe, mas também pelo seu coberto vegetal e as suas características geomorfológicas. Assim o dinamismo da bacia só será percebido através da abordagem integrada dos vários elementos constituintes do território.

Quanto aos usos da água, em todas as bacias hidrográficas encontra-se a utilização da água para consumo verificando-se que as águas das bacias do rio Douro, Minho, Lima e Cávado, são utilizadas fundamentalmente para fins hidroelétricos e alguns regadios, as águas das bacias dos rios Guadiana, Sado, Mira e ribeiras do Algarve principalmente para fins hidroagrícolas, e as águas do Tejo, Mondego e Vouga para ambos estes fins, registando-se também aproveitamentos de fins múltiplos.

– De que forma podem os Planos de Eficiência Hídrica contribuir para mitigar os problemas de falta de água/utilização da água em regiões com escassez deste bem?

Desde 1986, na sequência da entrada de Portugal na UE, verificou-se a necessidade de transposição do Direito Comunitário em geral e do ambiente em particular.

No que se refere à proteção dos recursos hídricos procurou-se harmonizar a nossa legislação com a dos restantes Estados-Membros o que culminou com a transposição da Diretiva Quadro da Água (DQA – Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000).

A DQA veio introduzir uma perspetiva inovadora quanto à gestão da água de que salientamos os principais aspetos:

  • Planeamento integrado a nível de bacia hidrográfica;
  • Abordagem integrada da proteção das águas de superfície e subterrâneas;
  • Aplicação de instrumentos económico-financeiros para promover o uso sustentável da água;
  • Avaliação da qualidade das águas através de uma abordagem ecológica;
  • Estratégia específica para a eliminação da poluição causada por substâncias perigosas:
  • Aplicação integrada de outras normas comunitárias referentes à proteção das águas:
  • Divulgação da informação e incentivo da participação pública.

Com a entrada em vigor da DQA em dezembro de 2000 e a necessidade de transposição até dezembro de 2003, fez com que fosse necessária a revisão de parte importante da legislação portuguesa do setor da água, de modo a contemplar os novos paradigmas de gestão definidos na DQA.

Entretanto são aprovados o Plano Nacional da Água (PNA) e os Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH), em conformidade com os objetivos ambientais expressos na DQA, tornando-se em instrumentos de suporte à política de gestão da água.

A bacia hidrográfica passa a constituir uma unidade de planeamento e gestão, pelo que se tornou necessária a existência, a este nível, de um conjunto de meios humanos, materiais e laboratoriais para criar e operar os mecanismos a utilizar na aplicação prática das metodologias que vão sendo aprovadas.

Pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro. a Lei da Água, foi transposto para o direito nacional a Diretiva Quadro da Água (Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000).

Com vista a mitigar os efeitos ambientais, económicos e sociais de episódios de seca e de situações de escassez, desde 2022 encontra-se aprovado Plano de Gestão de Secas e Escassez (PGSE) que enquadra as medidas de proteção contra secas constantes da Lei da Água, incluindo programas de intervenção em situação de seca, a definição das metas a atingir, as medidas destinadas aos diversos setores económicos afetados e os respetivos mecanismos de implementação.

O PGSE tem objetivos específicos:

  • Assegurar a disponibilidade de água necessária para garantir a saúde e a qualidade de vida das populações, minimizando os impactes negativos da escassez de água e da seca no abastecimento público;
  • Evitar ou minimizar os efeitos negativos dos episódios de seca sobre o estado das massas de água, de modo que as situações de deterioração temporária das massas de água ou de caudais ecológicos mínimos estejam exclusivamente associadas a situações naturais de seca prolongada;
  •  Minimizar os efeitos negativos nas atividades económicas, de acordo com a priorização dos usos estabelecida na legislação e nos PGRH.

– Sabendo que o futuro, apesar de incerto, poderá trazer cenários preocupantes no que toca à disponibilidade de água nos solos e à irregularidade das chuvas, considera-se otimista sobre a possibilidade de, em Portugal especificamente, conseguirmos ter uma boa e sustentável gestão da água?

A agricultura, a indústria e a utilização urbana cada vez solicitam mais água pelo que é preciso intervir quer do lado da procura quer do lado da oferta.

Há que propiciar medidas concretas de ação sobre o uso da água, como eficientes controlos metrológicos no âmbito da oferta e da procura associado a uma eficaz informação ao cidadão.

A escassez também deriva de uso indevido da água, podendo ser diminuída através do controlo de poluição, por um controlo de uso e devolução ao meio hídrico adequadamente, tendo que passar pela educação ambiental de cada um, e pela progressiva regulação legal de todos os usos.

Seja ao nível de Planos Diretores Municipais, seja a outros níveis, a articulação do Ordenamento do Território com a gestão dos Recursos Hídricos deve ser rigorosa.

É importante uma boa gestão pública das águas que proteja as fontes naturais, a conservação quantitativa e qualitativa da água e o seu uso racional e justamente distribuído.

Ao nível da distribuição de água o governo central português tem usado o seu poder de regulação em quantidade.

A legislação Portuguesa e o Direito da Água têm evoluído no sentido de reconhecer a água como bem económico, mas também património protegido.

A água é um bem económico e um direito de cidadania.

As preocupações ambientais, a escassez dos recursos hídricos e a necessidade de um desenvolvimento sustentado, requerem a análise com rigor científico de um vasto conjunto de consequências associadas às opções de utilização da água, nomeadamente nas áreas das disposições legais, das atuações administrativas, da participação cívica e em disposições económico-financeiras.

A DQA aponta claramente para uma visão moderna de gestão da procura e de gestão integrada da água e do território. A sua correta aplicação em Portugal envolve desafios fundamentalmente relacionados com a harmonização do quadro legal e institucional e com a execução dos PGRH e do PNA.

Embora os objetivos sejam ambiciosos, o esforço já desenvolvido na elaboração daqueles instrumentos legais de planeamento e o empenhamento da Administração na reforma institucional constituem indicadores auspiciosos para que, no próximo futuro, seja dado um importante salto qualitativo na gestão da água em Portugal.

Não podemos esquecer que a água está no centro de uma crise sem precedentes que tem como fatores principais o crescimento populacional (aumento de consumos), a poluição, a pouco eficaz gestão dos recursos hídricos e as alterações climáticas, mas também como é sublinhado no Relatório Mundial sobre a Água publicado em 2003, relativo à escassez da água no mundo, esta crise deve-se igualmente a uma forte inércia política associada à falta de uma tomada de consciência das populações (utilizadores/consumidores).

A exclusão hídrica, na maior parte das vezes não é gerada pela falta de fontes naturais de água, mas sim por problemas institucionais e de gestão. Segundo a Organização das Nações Unidas a crise da água é acima de tudo um problema de governança.

O êxito da gestão da água é, pois, fundamental para a resolução da situação socioeconómica e ambiental da humanidade. A água é um fator limitante e caracterizador do equilíbrio entre as diferentes atividades humanas sendo igualmente um meio para a construção de soluções equilibradas e conjuntas para resolver os desafios globais da sustentabilidade. É imprescindível a mobilização (consciencialização) dos cidadãos para as soluções, para que se consiga vencer a crise mundial da água.

A conservação/exploração dos recursos hídricos terá que visar prioritariamente a satisfação das necessidades das populações, tendo em alerta a crescente solicitação da utilização da água, que a transformará num dos mais promissores “negócios” do Século XXI.

Ao intensificar-se a “crise da água”, as empresas transnacionais pressionam os governos para a sua privatização e comercialização, defendendo que só assim será possível garantir água potável. Contudo, não podemos esquecer que a venda (negócio) da água não tem em atenção as necessidades das populações mais carenciadas. A “água privatizada” é fornecida (vendida) aos que podem pagar, indivíduos e industrias. A água começa a transformar-se numa fonte de conflitos e de práticas sociais opostas aos princípios de justiça, de igualdade, de fraternidade, de liberdade e de cultura. Assim a água é não só uma questão ambiental mas também um problema social.

A grande questão social dos séculos XIX e XX foi sem dúvida a luta contra a pretensão do capital (agrário, industrial e financeiro) ser proprietário do trabalho humano, no século XXI ter-se-á a questão do direito à vida para todos, contra o desejo do capital financeiro ser proprietário da vida, é neste contexto que tem que se considerar a água como questão social.

 

 

 

 

 

 

 

 

 





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