A revolução das microalgas em Português



A população mundial está em crescimento e será necessário encontrar formas inovadoras de alimentar cada vez mais bocas. A Food and Agriculture Organization (FAO) sugere que passemos a incluir proteína de insetos comestíveis na dieta ocidental, porque os insetos consomem menos recursos quando comparados com o gado tradicional.

Mas há outras soluções no horizonte. As microalgas, por exemplo, são um microrganismo “milagroso”, não só pela elevada quantidade de proteína que produzem, mas porque servem para muito mais do que alimentação. Entre os pontos de destaque que fazem das microalgas um superorganismo contam-se o facto de se não precisarem de água doce para prosperar, pelo que podemos usar a água do mar e poupar recursos em terra. Por outro lado, as microalgas consomem CO2, um dos gases potenciadores do efeito de estufa, e emitem oxigénio.

Com tantas vantagens, fomos saber o que por cá se faz para aproveitar as características tão propícias das microalgas. Falámos com Gonçalo Real, diretor de comunicações na Buggypower, uma empresa que se dedica a produzir microalgas na ilha de Porto Santo, Madeira.

 

Como é que nasceu a Buggypower? De onde veio a ideia de criar microalgas?
A Buggypower nasceu em 2011 da convicção de que as grandes mudanças podem começar microscopicamente. Em particular no que se refere à alimentação, saúde e bem-estar dos seres humanos, de animais e do planeta. Na Buggypower acreditamos que podemos ser parte desta mudança ao produzirmos microalgas marinhas de forma sustentável, amiga do ambiente e com variadas aplicações, que vão desde os alimentos saudáveis, suplementos nutricionais, cosmética e até farmacêutica.


Esta tecnologia é portuguesa?
A ideia e tecnologia tiveram origem em Espanha, mas foi em Portugal que foram criadas as condições para desenvolver o projeto. No entanto, consideramo-nos uma companhia transnacional e integradora dos objetivos comunitários.


Onde estão instalados e porquê?
A unidade de produção de microalgas situa-se na ilha de Porto Santo, na Madeira. A escolha deste local prende-se com o estado quase virgem da ilha, o que nos permite usufruir de uma das águas mais puras do Oceano Atlântico, livre de metais pesados e de poluição. Por outro lado, em Porto Santo as flutuações anuais de temperatura são mínimas e a radiação solar é a ideal para o cultivo de microalgas marinhas. Mas não se trata só disto. Em Porto Santo está localizada a Central Térmica da Empresa de Eletricidade da Madeira. Esta central produz eletricidade que liberta como resíduo o dióxido de carbono (CO2). Ora, o CO2, que é um dos gases responsáveis pelo efeito de estufa, é fundamental para o crescimento e multiplicação das microalgas que o utilizam no seu processo de fotossíntese, libertando oxigénio. Assim, estamos perante uma situação que é benéfica para ambas as empresas. Porquê? Porque o resíduo principal de uma indústria, o CO2 captado diretamente das chaminés da Central de Produção de Eletricidade de Porto Santo, é a matéria prima de outra, sendo inclusivamente eliminado neste processo de “maricultura” e existindo uma constante valorização e reutilização de recursos. Aliás, a União Europeia refere esta Unidade como exemplo nos domínios da Economia Circula. A título de curiosidade, é possível produzir 1kg de alimento, em que 58% é proteína, a partir de 2500 litros de água do mar e sem recurso a água doce. Desta nova indústria, os “resíduos” gerados são oxigénio e água do mar.


E porquê as microalgas? Qual o objetivo de cultivar este organismo?
As microalgas marinhas trazem uma série de benefícios quer para o meio ambiente, quer para a saúde do ser vivo que as possa consumir. Relativamente ao meio ambiente, o cultivo de microalgas traz uma nova dimensão sustentável pois, como seres fotossintéticos, as microalgas fixam CO2. No caso da Buggypower, as microalgas marinhas fixam o CO2 proveniente da fábrica da Empresa de Eletricidade da Madeira e devolvem O2 à natureza como já referido.

 

Pretendem ser conhecidos pelo quê?
Na verdade, devido ao elevado potencial das microalgas marinhas, a Buggypower pretende ser reconhecida em várias dimensões. Primeiramente, pela dimensão ecológica do projeto e pela capacidade que a produção de microalgas tem por si só, de reverter os efeitos nefastos da industrialização no meio ambiente. Depois, o que estamos a concretizar é a mudança de paradigma na alimentação humana e animal, na saúde e no bem-estar. Sabemos que hoje em dia há uma enorme preocupação relativa ao esgotamento dos recursos alimentares com o aumento da população mundial e é imperativo procurar alternativas à alimentação tradicional. Na Buggypower, acreditamos que há um mundo a explorar ao nível dos recursos marinhos. Por isso o nosso objetivo é precisamente o de educar as pessoas para o consumo de microalgas marinhas e desenvolver o máximo de produtos contendo microalgas marinhas dos quais as pessoas possam usufruir e melhorar a sua saúde e bem-estar.


Em termos de captura de CO2, as microalgas são mais eficientes do que uma árvore, por exemplo?
Não sei se se podemos colocar a questão dessa forma, já que numa árvore são as folhas que realizam a fotossíntese. No caso das microalgas, o organismo como um todo realiza fotossíntese. Se pensarmos em termos de área ocupada por uma árvore e se esse mesmo espaço fosse preenchido por microalgas, então a captura de CO2 seria incomparável.

A título de exemplo, a Unidade de Porto Santo tem a capacidade de capturar acima de 200 toneladas de CO2 por ano, sendo que a área ocupada pela unidade é de 14000 m2. Na natureza seriam necessários cerca de 300 000 m2com 26 000 árvores para fixar a mesma quantidade [de CO2].

 

Quais as indústrias em que vocês operam? Ou seja, qual o destino dado às microalgas?
Na Buggypower, usamos as microalgas marinhas produzidas em Porto Santo para obtenção de produtos de alto valor acrescentado tanto para as áreas de nutrição funcional e alimentação humana e animal, como para a área da cosmética de excelência. Os primeiros produtos produzidos com base nestas microalgas marinhas e destinados ao mercado nacional e internacional foram lançados sob as marcas Alguimya (nutrição funcional e alimentação humana,www.alguimya.com) e Bluevert (cosmética, www.bluevert.com).

 

 Como é que veem a evolução deste mercado? Notam que os consumidores se preocupam mais em ter produtos naturais?
Sem dúvida. Com o aumento da industrialização, é hoje cada vez mais difícil encontrar produtos não processados ou sem aditivos prejudiciais. O consumidor está cada vez mais alerta, tem cada vez mais acesso a essa informação e tenta procurar soluções mais naturais, biológicas ou de produção controlada. Esta procura abre portas a novos mercados que tornam possível oferecer aos consumidores aquilo que eles exigem. A tendência é que este tipo de mercado evolua consideravelmente nos próximos anos. Existem até estudos recentes que estimam que este mercado irá crescer mais de 14% até 2021.


Consegue explicar ao nossos leitores de forma simples como funciona o processo de criação de microalgas? O que está envolvido desde o início até que tenhamos um produto pronto a usar nas várias indústrias em que vocês operam?
O cultivo das microalgas decorre em fotobioreactores (tubos expostos à luz solar) fechados com oito metros de altura. Quando o cultivo atinge uma determinada confluência, parte dele é centrifugado formando uma “pasta verde”. Essa pasta é posteriormente seca (desidratada) usando equipamentos industriais como o “spry dryer” ou o liofilizador. Esta secagem transforma a pasta de biomassa de microalgas marinhas num pó verde. Esse pó verde é o nosso produto acabado na fábrica de Porto Santo. Depois do processo de produção das microalgas marinhas, estabelecemos parcerias com outras empresas e produzimos com elas inúmeros produtos formulados com as nossas microalgas marinhas, quer na área alimentar humana, animal e cosmética.


Qual a importância da produção das microalgas na estratégia nacional de redução da emissão de gases com efeito de estufa?
Por todo o mundo, as empresas da área procuram formas de sequestrar o CO2 emitido, para atingir as metas para a redução de gases com efeito de estufa. Há diferentes estratégias para isso, mas são tecnologias demasiado caras que têm um impacto elevado na competitividade. Daí que a produção de microalgas apareça como uma alternativa mais viável.

Ricas em proteínas, minerais, hidratos de carbono, ácidos gordos, vitaminas e outros componentes, as microalgas usam o CO2 para o processo de fotossíntese e conseguem duplicar a sua biomassa mais de duas vezes por dia, ou seja, têm uma produtividade maior do que qualquer outra fonte vegetal de nutrientes. O resultado é duplo: não só podem absorver o dióxido de carbono produzido por indústrias, como é o caso da Empresa de Eletricidade da Madeira, como se transformam elas próprias num produto com valor comercial.

 

As microalgas podem ser usadas para consumo humano? Em que tipo de produtos?
Claro. A nossa unidade de produção cumpre todas as normas de qualidade alimentar requeridas, sendo certificada pela IFS Food. Além disso, o nosso método de produção e processamento das microalgas marinhas permite-nos também ter certificação Halal e Kosher.

As microalgas podem ser aplicadas a uma diversidade enorme de produtos alimentares. Na Buggypower, estamos interessados em produtos alimentares funcionais, como barras energéticas e suplementos alimentares. Os primeiros produtos já estão disponíveis no mercado sob marca Alguimya.


Veem este tipo de alimento a ter sucesso num futuro próximo?
Sim. As pessoas procuram cada vez mais produtos diferentes, que as façam sentir-se mais saudáveis sem comprometer o prazer. Os nossos produtos cumprem todos estes requisitos pelo que só poderão ser um sucesso.


Em que tipo de iniciativas estão envolvidos? De que forma estão a divulgar a vossa empresa?
Tentamos colaborar ao máximo com associações nacionais e internacionais relacionadas com alimentação funcional e recursos marinhos. Participamos também ativamente no comité da Comissão Europeia que visa trazer regulamentação para a produção e uso de algas e microalgas na União Europeia. Em termos de divulgação, participamos anualmente em diversas feiras nacionais e internacionais vocacionadas para alimentação, alimentação funcional, ingredientes bioativos e cosmética. Para além disso, e uma vez que colaboramos com diversos institutos no desenvolvimento de projetos de investigação, participamos também em várias conferências científicas nacionais e internacionais.





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