Queimadas em áreas devastadas da Amazónia ocorreram em grandes e médias propriedades
Dados do Governo brasileiro comprovam que 72% dos focos de incêndio nas regiões mais degradadas na Amazónia no ano passado ocorreram em propriedades grandes e médias, segundo informações divulgadas hoje pelo projeto Cortina de Fumaça.
A partir do cruzamento de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – registo público eletrónico obrigatório dos imóveis rurais -, o projeto descobriu que nos quatro municípios líderes em fogo e desflorestação na Amazónia, em 2019, “72% dos focos de calor foram registados em propriedades de médio e grande porte (acima de 440 hectares) e o restante em imóveis rurais pequenos (abaixo de 440 hectares)”.
O levantamento foi realizado pela Ambiental Media em parceria com o Pulitzer Center, através do Rainforest Journalism Fund.
De janeiro a dezembro de 2019, o INPE mapeou 89 mil focos de calor na Amazónia, 30% a mais do que no ano anterior.
A análise frisou que “entre os meses de maio e julho deste ano, houve um aumento de 23% nos focos de queimadas em comparação ao mesmo período no ano passado – junho último apresentou os maiores índices para o mês em 13 anos”.
“A desflorestação também aumentou. Nem mesmo a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus foi capaz de conter a pressão sobre a floresta. O sistema de alerta de desmatamento do INPE, o Deter, estima mais de 9 mil quilómetros quadrados desmatados entre agosto de 2019 e julho de 2020, número que representa uma alta de 34% em relação ao período anterior (agosto de 2018 a julho de 2019)”, acrescentou.
Segundo o projeto Cortina de Fumaça, a desflorestação e as queimadas aconteceram de maneira complementar na Amazónia nos últimos dois anos.
“No processo de desflorestação, o fogo é a etapa final, transformando em cinzas a floresta que ali estava, já que não tem como colocar boi ou plantar grão com todas aquelas árvores caídas no chão”, explicou a bióloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora nas Universidades de Oxford e Lancaster e citada no ‘site’ na Internet do projeto.
Além do fogo de desflorestação os cientistas informam que na Amazónia há também fogo de manejo agropecuário em áreas já desmatadas anteriormente e utilizadas para fins agrícolas e, também, focos de calor provocados por pequenos agricultores, povos indígenas e populações tradicionais usam o fogo na agricultura de subsistência.
Todos esses tipos de fogo podem invadir a floresta em pé e originar os incêndios florestais.
Sobre declarações de representantes do Governo brasileiro, incluindo o Presidente do país, Jair Bolsonaro, que na terça-feira durante seu discurso de abertura do debate geral na 75.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) atribuiu as queimadas na Amazónia a ação de pequenos produtores rurais e indígenas, o Cortina de Fumaça frisou que os dados não sustentam essa narrativa.
“Segundo o Ipam [Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia], em 2019, dos 31% de focos de calor registados em imóveis rurais, 22% estavam naqueles considerados médios ou grandes, enquanto 9% aconteceram em pequenos. Já no primeiro semestre de 2020, os imóveis de médio e grande portes registaram sozinhos a metade do número de focos de calor na Amazónia”, frisou o projeto.
O levantamento também mostrou que embora seja uma floresta húmica, como também alegou Bolsonaro para negar que a Amazónia está a arder, a capacidade do bioma de resistir ao fogo tem sido quebrada por fatores como fragmentação, exploração madeireira, mudanças climáticas, eventos de seca extrema.
“[Estes elementos] deixam a floresta mais exposta a condições como altas temperaturas e stresse hídrico, sucumbindo aos poucos”, concluiu.