Medusas ajudam a suprir escassez de alimento nas ‘noites polares’ do Ártico



Nas regiões polares, um fenómeno conhecido como ‘noite polar’, em que o Sol não ascende acima da linha do horizonte por mais de 24 horas e deixa a terra mergulhada em penumbra, é uma parte importante do ciclo de vida nessas zonas remotas do planeta.

No Ártico, a ‘noite polar’ estende-se de novembro a fevereiro do ano seguinte e os cientistas dizem que, em média, a temperatura da água que banha o arquipélago norueguês de Svalbard, mesmo nessa noite prolongada, tem vindo a aumentar dois graus Celsius, em média, a cada 10 anos. Além das diferenças abióticas registadas, também se veem mudanças ao nível da composição da vida, com animais de águas mais quentes a migrarem cada vez mais para Norte.

As medusas são um dos grupos de animais atlânticos que têm sido encontrados com mais frequência nas águas já não tão geladas do Ártico. Charlotte Havermans, da Universidade de Bremen e do Instituto Alfred Wegener, explica que algumas espécies desses animais de corpo gelatinoso estão a deslocar-se em direção aos polos e a começar a fixar-se no Ártico.

Pela primeira vez, cientistas confirmam que anfípodes se podem alimentar de medusas durante as ‘noites polares’, quando outras fontes de alimento são escassas.
Foto: Charlotte Havermans

Havermans e uma equipa de investigadores da Alemanha, de Espanha e de França estiveram em Kongsfjorden, no arquipélago de Svalbard, durante a ‘noite polar’ de 2022, e a cientista confessa que ficaram surpreendidos com a quantidade de medusas que encontraram, “consistindo em muitas espécies e estágios de vida diferentes”.

Dada a quantidade de medusas presentes em águas onde não é habitual encontrá-las, Havermans recorda que “pareciam ser o zooplâncton dominante durante o inverno”.

Dado que durante a escuridão da ‘noite polar’ a disponibilidade de algumas fontes de alimento pode ser menor, os cientistas quiseram perceber se as medusas seriam uma alternativa, permitindo que outros organismos ingiram calorias mesmo nesses meses mais duros em Kongsfjorden.

Através de redes e de armadilhas, a equipa recolheu anfípodes, pequenos crustáceos que estão na base de várias cadeias tróficas do Ártico, e perceberam, usando técnicas de análise genética, que os seus estômagos estavam cheios de vestígios de medusas.

“Encontrámos um grande número de medusas nos estômagos dos anfípodes”, revela Havermans, desde as espécies maiores que foram avistadas nos fiordes aos mais pequenos hidrozoários. Por isso, num artigo publicado recentemente na revista ‘Frontiers in Marine Science’, argumentam que as medusas são mesmo um elemento importante das teias alimentares do Ártico durante as ‘noites polares’.

O hidrozoário Aglantha digitale era uma das espécies de medusas mais abundantes no arquipélago de Svalbard (Noruega) na ‘noite polar’ de 2022.
Foto: Charlotte Havermans

Os investigadores dizem que esta é a primeira vez que foi confirmado que os anfípodes se alimentam de medusas, ou de restos de medusas mortas, algo que só tinha ainda sido registado em laboratório.

Contudo, algumas questões continuam ainda sem resposta. Entre elas, se os anfípodes se alimentam regularmente de medusas ou se isso só acontece durante os meses mais frios e mais escuros do ano, como uma alternativa de último recurso dada a falta de outros alimentos.

Seja como for, Havermans declara que “a próspera e diversificada comunidade de medusas que ocorre em Kongsfjorden no inverno é claramente usada como uma fonte de alimento”, e foi até descoberto que as espécies de anfípodes do género Gammarus se alimentam de medusas, algo que era, até então, desconhecido da Ciência.

Uma vez que tudo indica que o aquecimento global continuará a levar cada vez mais medusas para as regiões polares, saber o papel que desempenham nas teias tróficas das regiões mais remotas do planeta é fundamental.

“Com este estudo, revelamos ligações cruciais na teia trófica do Ártico até agora desconhecidas. Isto é fundamental, porque precisamos de compreender como as medusas encaixam nas teias alimentares e se disseminam num Ártico em rápida transformação”, assinala a investigadora.





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