Clima: Países não cumprem obrigações e é impossível obrigá-los
Os países do mundo não estão, genericamente, a reduzir emissões de gases com efeito de estufa (GEE) mas também é legalmente impossível obrigá-los a cumprirem as obrigações, diz o professor Armando Rocha, investigador e especialista em direito.
Em entrevista à Agência Lusa, Armando Rocha, professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica, investigador nas áreas do Direito do Mar, do Ambiente, e do Direito Internacional Público e dos Direitos Humanos, fala das obrigações que os países assumiram no Acordo de Paris sobre o clima, mas diz que até hoje só os Países Baixos se dispuseram a ser julgados pela sua conduta.
O Acordo de Paris sobre redução de emissões de GEE, recorda, permite que o incumprimento das obrigações, como as contribuições para reduzir os GEE seja levado ao Tribunal Internacional de Justiça ou a um tribunal arbitral internacional.
“O problema é que a competência destes tribunais depende de aceitação específica por parte de cada Estado. Além de entregarem a sua NDC, os Estados também têm de entregar uma declaração em como reconhecem a competência do Tribunal Internacional de Justiça e/ou do tribunal arbitral internacional, e essa aceitação de competência é puramente voluntária”, lembra Armando Rocha.
Até ao momento, diz, apenas os Países Baixos aceitaram a competência de ambos os tribunais, e dois Estados do Pacífico aceitaram a competência do tribunal arbitral internacional.
Assim, conclui, é impossível haver qualquer ação legal contra os Estados ao abrigo do Acordo de Paris, tendo-se procurado até agora agir junto de outras instâncias internacionais, como casos climáticos que chegaram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Pedidos de parecer sobre essas matérias também já chegaram ao Tribunal Internacional para o Direito do Mar, ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos e ao Tribunal Internacional de Justiça.
Na quarta-feira, a Faculdade de Direito da Universidade Católica organiza uma conferência sobre alterações climáticas, com especialistas de vários países a debaterem novidades e obstáculos quanto à litigância climática.
Sob o tema “Climate Change Law & Litigation States’ Obligations”, a conferência vai refletir sobre as obrigações internacionais dos Estados na preservação de uma atmosfera saudável e de um clima estável, bem como sobre as suas obrigações internacionais decorrentes de um padrão climático instável e imprevisível.
Ao abrigo do Acordo de Paris, os países comprometem-se a apresentar “contribuições nacionalmente determinadas” (NDC) de redução de gases, que devem rever de cinco em cinco anos.
Armando Rocha diz que essas contribuições em termos genéricos não são cumpridas (foram-no momentaneamente mas por causa dos confinamentos decorrentes da covid-19), não são ambiciosas e não param o aquecimento global, e que nem há forma de verificar as informações dadas pelos Estados.
Ou seja, explica o especialista, os Estados não cumprem as metas que definiram para si próprios ou se dizem que cumprem não há garantias de fidedignidade.
“A verificação e o controlo científico da informação dada por cada Estado são ainda um calcanhar de Aquiles do regime jurídico em vigor”, pelo que só se pode falar de cumprimento ou não quando houver “um sistema centralizado de recolha de dados ou de verificação dos dados fornecidos pelos Estados”, diz.
No futuro será possível julgar pessoas, empresas ou Estados por não respeitarem o clima? Armando Rocha diz que tudo dependerá do que suceder no Tribunal Internacional de Justiça e de outros de direitos humanos, da ousadia que tenham. Mas confessa não estar otimista, “porque a questão climática obriga a decisões por parte dos políticos, não dos juízes”.
Para já, diz, a realidade é que os países têm feito muito pouco para diminuir emissões, que se desculpam uns com os outros, e porque a curto prazo a diminuição tem custos económicos e sociais.
E porque já é tarde para se reduzirem emissões, que na verdade continuam a aumentar, é preciso que se comece a pensar em soluções de engenharia geológica e em formas tecnológicas de arrefecer o planeta.
E os cidadãos têm agora o papel principal, o de repensar as prioridades de vida e como reduzir a pegada carbónica. Isso “é fundamental porque o planeta não aguenta o nosso estilo de vida”. E a seguir é preciso os Estados terem mais coragem, impondo “medidas musculadas de mitigação e redução das emissões de GEE”.
Armando Rocha admite que é uma “tarefa pesada”, que obriga a repensar as prioridades existenciais. Diz que é importante financiar a investigação científica da engenharia geológica, das alterações climáticas.
E passarão essas mudanças por movimentos de disrupção, como os protagonizados recentemente por grupos como a “Greve Climática Estudantil”, “Parar o gás” ou “Scientist Rebellion”, entre outros?
O professor apelida-os de extremistas e violentos e diz não se identificar, como cidadão que tenta genuinamente reduzir a sua pegada de carbono.
“Porém, quando olhamos à nossa volta e só vemos inação, conseguimos criticar este grito de apelo? Se estes movimentos mais musculados não são a via correta, então alguém consegue identificar uma via melhor para agitar a nossa sociedade adormecida?”, questiona.
Além da Universidade Católica a conferência é organizada pela Sociedade Europeia de Direito Internacional e pela Universidade de Turim e terá a participação de mais de duas dezenas de especialistas, especialmente de universidades de uma dezena de países,