“Não estamos a escolher a Terra”: Para salvar o planeta não basta falar. É preciso agir e agora
Esta quinta-feira, cientistas, empresários e ativistas reuniram-se em Madrid, Espanha, para reiterar que o planeta está em crise e para sublinhar que a sua proteção não se faz apenas com palavras bonitas e com discursos chamativos. É preciso agir e o mais rapidamente possível para evitar desfechos devastadores, para os humanos e para todas as outras formas de vida.
No evento ‘We Choose Earth 2023’, promovido pela EDP, Miguel Stilwell d’Andrade, CEO da elétrica portuguesa, esteve à conversa com Amal Clooney, defensora e ativista dos direitos humanos.
O português, recordando que a EDP pretende tornar-se totalmente verde até 2030, destacou que a transição energética deve ser justa e servir todas as comunidades, e que exige uma mobilização de toda a sociedade, sem exceções.
“A mudança não pode ser alcançada por um só agente”, afirmou, à conversa com Amal Clooney, que sublinhou que além de protegermos a Terra é preciso também proteger “as pessoas que nele habitam”, porque “escolher proteger o futuro do planeta de nada serve sem o poder das pessoas”.
“E que tipo de planeta queremos deixar aos nossos filhos? Eu quero um em que se sejam protegidos os direitos das minorias e em que aquele aqueles que tenham cometido os piores crimes acabem por pagar por eles”, defendeu a ativista.
Outro dos oradores foi Peter Frankopan, professor de História Global na Universidade de Oxford. Recordando uma série de desastres naturais causados pelos desequilíbrios climáticos – a tragédia das cheias no Paquistão, os incêndios florestais devastadores no Canadá, as ondas de calor extremo na Ásia, a seca na Península Ibérica –, o académico frisou que os mais pobres e as mulheres são os grupos humanos que mais sofrem num planeta em franca convulsão causada pela forma como o temos tratado ao longo de séculos.
E lembrou também estamos perante “desafios existenciais não apenas para nós, mas para outras formas de vida”.
Olhando para o passado, Frankopan afirmou que desde 1971 os oceanos já terão absorvido uma quantidade de calor equivalente a 25 mil milhões de explosões como a que dizimou Hiroxima nos anos 40. E que se nada for feito para travar o aquecimento oceânico, nada de bom se poderá esperar do futuro.
O historiador destacou ainda a poluição do ar como um dos reflexos mais nefastos e visíveis da ação humana na Terra, indicando que no norte da Índia, devido ao mau estado da qualidade do ar, a esperança média de vida é seis anos inferior ao que seria se o ar tivesse uma qualidade considera boa.
“Não estamos a escolher a Terra”, lamentou, alertando, em referência ao aumento da população humana global, que deverá ultrapassar os 10 mil milhões de pessoas até ao final do século, que precisamos de fazer escolhas mais acertadas na forma como extraímos, produzimos e consumimos, “porque somos cada vez mais”.
E sobre a vulnerabilidade das sociedades humanas às alterações climáticas, deixou uma mensagem contundente: “O registo histórico está pejado de cidades que não se conseguiram adaptar”.
As “mentiras e desinformação” da indústria dos combustíveis fósseis
Enrique Dans, especialista em inovação e sobre como a tecnologia está a mudar o mundo, não poupou críticas à indústria dos combustíveis fósseis, que acusa de continuar a mentir à população e de tentar impedir a emergência de sociedade realmente assentes na energia renovável e limpa.
Professor na IE Business School, em Madrid, Enrique Dans, embora reconheça os avanços possibilitados por essa indústria, acusou os seus líderes de disseminarem “mentiras e desinformação” sobre a impossibilidade de abandonar de vez os combustíveis fósseis, considerando que as energias renováveis só ainda não são a norma por causa dos obstáculos criados por essas empresas e conglomerados, respaldados por outros poderes económicos e políticos.
O académico apontou também que outra “mentira” lançada pelo setor é de que não existem matérias-primas suficientes para generalizar as renováveis, dizendo que isso se trata de uma “ficção”.
“Não há escassez de materiais”, garantiu, observando que antes de se começar realmente a procurar por ele, o lítio, usado nas baterias dos veículos elétricos e em unidades de armazenamento de energia renovável, era também considerado um elemento em fraca abundância no planeta e que agora “estamos a descobrir depósitos de lítio em muitos locais”.
Por isso, Enrique Dans apelou a uma mobilização de todas as populações mundiais, incitando-as a exigirem mais ação por parte dos seus governos para travar práticas e atividade prejudiciais aos ecossistemas dos quais todos dependemos.
O Ensino como pedra-angular da mudança que é precisa
E a mudança deve começar logo nas escolas e instituições de Ensino Superior. Júlia Seixas, Pró-Reitora da Universidade Nova de Lisboa e com uma experiência de vários anos em questões de sustentabilidade, alertou que “as universidades estão a formar a próxima geração de líderes”, mas “não estamos a fazer o nosso trabalho devidamente”.
Para Júlia Seixas, as temáticas da sustentabilidade e da proteção do planeta devem ser cada vez mais integradas nos programas curriculares do Ensino Superior, perpassando todas as áreas de conhecimento. Acredita que só assim será possível preparar as gerações mais novas para os desafios que terão de enfrentar e para que não cometam os erros do passado e os que ainda hoje continuam a ser cometidos.
A académica deixou também algumas palavras sobre as renováveis. No que pode ser interpretado como um piscar de olhos a Portugal, Júlia Seixas afirmou que quando se lançam leilões e quando são elaborados projetos de energia renovável não podemos apenas focar-nos na capacidade de produção das tecnologias que se pretende usar, mas é preciso também atentar nos impactos que elas terão sobre a biodiversidade que será afetada por esses empreendimentos.
“Não há vida sem mar”
Uma das intervenções mais antecipadas deste evento foi a de Céline Costeau, documentarista, exploradora, ativista ambiental e neta do célebre oceanógrafo Jacques Costeau.
Céline Costeau recordou-nos de que “não há vida sem mar”, apontando que é nesses ecossistemas que cerca de metade do oxigénio que respiramos, e que muitas vezes tomamos por garantido, é produzido.
“Estamos interligados a tudo”, afirmou, desde os organismos mais pequenos que os nossos olhos humanos não conseguem ver até aos grandes animais que rumam pelo nosso planeta, em terra e no mar.
Enquanto pessoa que passou grande parte da sua vida a experienciar e a observar os ecossistemas marinhos, Céline Costeau lembrou que devemos ser humildes perante da Natureza e não pensar que estamos acima de tudo e de todos.
A exploradora recordou um momento de mergulho em que um colega de equipa foi mordido por um tubarão, “uma das espécies mais controversas dos nossos oceanos” e sobre qual é muitas vezes construída uma imagem negativa. Céline Costeau disse que, através de documentários e filmes, nos é mostrada apenas uma pequena parte da existência desses animais, deixando de fora todas as interações positivas que ocorrem.
“Quando entramos nestes ecossistemas estamos a entrar no lar destas espécies”, apontou, pelo que temos de mostrar “respeito” para com os outros animais que connosco partilham a Terra.
Céline Costeau referiu-se também ao Tratado do Alto Mar adotado recentemente pelos governos das Nações Unidas, lamentando todo o tempo que foi preciso para se chegar a esse desfecho.
“Demorou 20 anos para as nações da ONU reconhecerem que o alto mar precisa de proteção”, afirmou, e reconhece a sua importância para acabar com os crimes que são cometidos em águas internacionais, sobretudo o trabalho escravo e a sobrepesca.
“Não podemos desligar as causas ambientais das causas humanitárias”, declarou.
Argumentou ainda que é fundamental reconhecer os direitos dos povos indígenas às suas terras ancestrais, que considera serem os “guardiões da biodiversidade”, uma vez que, embora representem apenas 5% da população mundial, “protegem 80% da biodiversidade global”.
Para denunciar a ideia enganosa de que podemos manter o atual estado de coisas e resolver os problemas que hoje temos diante de nós, Céline Costeau terminou a sua intervenção recordando uma expressão de Albert Einstein: “os problemas não podem ser resolvidos com a mesma mentalidade que os criou”.