Entrevista: “A construção de uma bioeconomia sustentável só é possível se a academia, a indústria e o poder político trabalharem colaborativamente”



O ISEC Lisboa – Instituto Superior de Educação e Ciências, em associação com a IEA-IETS Task XI, acolhe, entre amanhã e 5 de dezembro, a Conferência Internacional sobre Bioenergia e Bioeconomia (IBBC 2025). Em entrevista à Green Savers, Jorge Costa, Jorge Costa, Professor do ISEC Lisboa e Presidente Honorário da Conferência IBBC 2025, sintetiza o espírito do evento e fala sobre o desenvolvimento da bioeconomia

Segundo o coordenador da Licenciatura em Energias Renováveis e Ambiente, a IBBC 2025 é um vetor essencial para a internacionalização do ISEC Lisboa e para o fortalecimento das suas competências em investigação e inovação. O professor destaca que o contacto com especialistas internacionais permite aos alunos e docentes aceder às tendências mais recentes e compreender os desafios reais da transição energética.

Jorge Costa sublinha ainda que o desenvolvimento da bioeconomia exige uma colaboração estreita entre academia, indústria e poder político, sobretudo num contexto em que a sustentabilidade das matérias-primas, a competitividade económica e a necessidade de instrumentos regulatórios robustos são desafios persistentes. A conferência pretende, por isso, fomentar novas parcerias e identificar caminhos concretos para a descarbonização, abordando temas como o enquadramento do biometano, os biocombustíveis avançados e as oportunidades de financiamento. Para o professor, se o evento conseguir consolidar esta rede de cooperação, deixará um legado duradouro.

De que forma é que esta conferência se insere na estratégia do ISEC Lisboa para a investigação e formação na área das energias renováveis e da bioeconomia?

A Conferência Internacional de Bioenergia e Bioeconomia (IBBC 2025) alinha-se diretamente com a estratégia do ISEC Lisboa, ao funcionar como um catalisador para a internacionalização da Instituição e para o reforço das competências de Investigação e Desenvolvimento. Também porque a licenciatura que lecionamos capacita os estudantes, não apenas com ferramentas técnicas, mas também com competências de inovação. Dessa forma, a Conferência oferece um palco privilegiado para o contacto com especialistas globais. A organização deste evento, do qual tenho o prazer de ser Chairman, reforça o nosso posicionamento no âmbito do Programa de Colaboração Tecnológico (TCP) da Agência Internacional de Energia (IEA), permitindo aos alunos e docentes o acesso direto às mais recentes inovações e discussões políticas sobre a transição para uma bioeconomia sustentável.

O programa científico inclui duas sessões da IEA-IETS. Qual é a importância da Tarefa XI e da Tarefa XXIV para o avanço da bioenergia e da descarbonização industrial?

O trabalho desenvolvido pelo TCP Industrial Energy-Related Technologies and Systems (IETS) está organizado em diferentes tarefas, que denominamos como Tasks. A Task XI, Industry-based Biorefineries Towards Sustainability, foca-se na integração de biorefinarias em ambientes industriais, especificamente, na otimização de processos para que a conversão de biomassa em energia e materiais seja eficiente e sustentável, promovendo a simbiose industrial e a economia circular. Já a Task XXIV, Process Integration for Industry Decarbonization, está mais focada para a utilização de metodologias de integração de processos e para identificar a forma mais eficiente de combinar fontes de energia e fluxos de calor, sendo essencial para planear a transição energética em indústrias intensivas.

Como vê a relação entre investigação académica, indústria e políticas públicas na construção de uma bioeconomia sustentável?

A construção de uma bioeconomia sustentável só é possível se a academia, a indústria e o poder político trabalharem colaborativamente. A investigação académica fornece a base científica e as inovações tecnológicas necessárias para a eficiência de recursos. A indústria é o motor de implementação, responsável por escalar essas tecnologias (por exemplo, as biorefinarias) e torná-las economicamente viáveis. Quanto ao poder político, cria o quadro regulatório e os incentivos de mercado (como sejam o Plano de Ação para o Biometano ou o Plano Nacional de Energia e Clima 2030) para mitigar o risco do investimento inicial. Eventos como a IBBC 2025 servem precisamente para alinhar estas três esferas, e assim garantir que a ciência responde às necessidades da indústria e que a política se baseia em evidências científicas. A esse propósito haverá uma sessão dedicada a opções de financiamento de projetos.

O programa integra também momentos de convívio, como o City Tour e o Jantar de Conferência. Porque é que estes ambientes informais são relevantes para um evento científico desta natureza?

Embora o programa científico seja o núcleo do evento, os ambientes informais são essenciais para o networking. É aqui que se quebram as barreiras formais das sessões técnicas e, com isso, permite-se aos participantes conhecer os seus pares, no que se espera que seja o início de parcerias ou consórcios de projetos futuros, num ambiente mais descontraído.

Na sua opinião, quais são os principais desafios que a bioenergia e a bioeconomia enfrentam neste momento, tanto a nível europeu como global? E em Portugal?

O principal desafio, válido global e nacionalmente, é a escala e a sustentabilidade das matérias-primas. Existe uma tensão entre a necessidade de produzir biomassa para energia/materiais e a garantia da segurança alimentar e a biodiversidade (os limites ecológicos). Outro desafio é a competitividade económica das soluções de base biológica face aos combustíveis fósseis, que ainda requerem quadros de apoio robustos.

A descarbonização dos transportes é um dos grandes desafios da década. Como é que vê a integração dos biocombustíveis avançados neste setor?

Os biocombustíveis avançados são vistos como uma peça indispensável, especialmente para os setores de “difícil eletrificação”, como a aviação ou o transporte marítimo. Enquanto a mobilidade ligeira caminha para a eletrificação direta, os biocombustíveis avançados oferecem uma solução imediata, sem grande necessidade de modificação da tecnologia de conversão, para reduzir a pegada de carbono nestes setores críticos.

Portugal começa agora a estruturar um enquadramento regulatório para o biometano e outros vetores renováveis. Que medidas ou incentivos poderiam acelerar a viabilidade destes projetos?

Desde logo, passar à prática a Resolução da Assembleia da República n.º 105/2025, que recomenda ao Governo a implementação do Plano de Ação para o Biometano e aponta uma dúzia de medidas para a sua prossecução. Neste caso, destaco, por exemplo, a introdução de mecanismos de certificação de matérias‑primas que possam ser valorizadas na produção de biometano.

A UE apresentou recentemente uma estratégia para criar uma economia com base na natureza. Acha que tem a ambição necessária para alinhar a utilização dos recursos na Europa com os limites ecológicos do nosso planeta?

A estratégia da UE demonstra uma ambição elevada, procurando colocar a bioeconomia no centro do Pacto Ecológico Europeu e reduzir a dependência externa. Mas a necessidade de biomassa poderá exceder a capacidade regenerativa dos ecossistemas europeus, se não for gerida com rigor. A estratégia é ambiciosa nos objetivos económicos e climáticos; contudo, o seu sucesso dependerá da implementação estrita de critérios de sustentabilidade que evitem a sobre exploração florestal e do solo.

Qual é, para si, o principal legado que espera que a IBBC 2025 deixe?

Se esta conferência internacional conduzir à consolidação de uma rede colaborativa entre a indústria e a academia para trabalharem em conjunto na identificação de soluções concretas para a descarbonização, o objetivo fica cumprido.






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