Ser vegan e ser culturista? sim, é possível



Ambientalista, autor do livro “Saúde e Fitness Vegan“, Porta-Voz Distrital do PAN Braga, desportista e digital influencer; Rafael Pinto deu uma entrevista ao Green Savers e contou um pouco da sua história, esclareceu alguns mitos e e deu algumas dicas para quem quer começar a treinar e seguir uma dieta vegan. De um dia para o outro, decidiu dar uma volta de 360º graus à sua vida e deixar de consumir produtos de origem animais – mas o treino manteve-se. O resultado? Continuou a alcançar os resultados previstos, superou-se e decidiu inspirar muitas mais pessoas.

Quando questionado relativamente às recomendações nutricionais, na sua opinião a nível ambiental estas “continuam a ser absolutamente insustentáveis”. Por essa mesma razão, acredita que deveria haver uma reformulação, e espera que o próximo plano a nível nacional tenha em conta os critérios de sustentabilidade. Estes e outros aspetos sobre o autor em entrevista exclusiva, aqui.

Como é que tudo começou? O ser vegan e ser culturista?

Eu comecei a treinar aos 16 anos e aprendi tudo sozinho, aprendi tudo na internet, gostava mesmo de treinar. Não conhecia ninguém que treinasse à minha volta por isso tive que aprender tudo por mim. Também não tinha nenhum ginásio à minha volta, porque eu cresci no campo, na altura não havia ainda nenhum ginásio, portanto eu montei o meu próprio ginásio de garagem, fui construindo tudo isto, e fui treinando, fui pesquisando, até que comecei a seguir a tradicional dieta do Culturismo.

A dieta era com uma grande quantidade de produtos de origem animal, comia meio quilo de carne por dia mais iogurtes, batido de proteína (…) mas ao mesmo tempo também eliminei completamente da minha dieta tudo o que fossem processados, como doces, junk food, fritos, tudo isso, eu passei três anos sem comer absolutamente nada disso.

Aos 19, já na universidade, já estava no Porto, estava a fazer uma pesquisa num dia típico como outro qualquer, a fazer uma pesquisa sobre nutrição, no Youtube, depois do treino, e encontrei uma palestra do médico Michael Greger, a “Food as Medicine: Preventing & Treating the Most Dreaded Diseases with Diet” e nessa palestra ele mostra que uma integral quase vegetal, que é uma dieta que exclui os produtos de origem animal mas também exclui os produtos processados, não só pode ajudar a prevenir a maioria das doenças da nossa sociedade – estamos a falar de doenças cardiovasculares, diabetes, muitos tipos de cancro – mas também pode ajudar-nos a viver mais. E eu já sabia que a alimentação tinha um impacto muito grande, e achava que estava a seguir uma dieta super saudável, mas a verdade é que eu estava a comer grandes quantidades de produtos de origem animal muito acima do de qualquer recomendação de qualquer instituição (…) mas eu achava que estava a ser saudável porque de facto eu era a pessoa mais saudável que conhecia à minha volta, e tinha eliminado tudo o que era junk food.

E quando vi esta palestra fiquei um bocadinho em choque, e pela primeira vez na minha vida eu questionei “porque é que comemos produtos de origem animal”. Eu sempre me tinha considerado ambientalista, sempre me tinha considerado amigo dos animais, já tinha conhecimento do impacto ambiental da pecuária na altura até, mas nunca tinha parado para pensar porque é que nós comemos animais, porque é que nós comemos produtos de origem animal, porque é que nós comemos carne – e principalmente, porque é que nós fazemos isto, porque é que comemos produtos de origem animal, se não temos essa necessidade biológica para sobreviver. Foi a primeira vez que eu vi “espera lá, então não é preciso nós comermos carne”. E pronto, tive aí aquela que eu costumo dizer, a maior e única epifania da minha vida. Entrei no raciocínio lógico e cheguei à conclusão que iria ter de deixar de comer produtos de origem animal, e assim foi. Basicamente de um dia para o outro passei da dieta típica de culturismo para uma dieta 100% vegan. Não houve período de transição não houve nada, é para ser é, isto para mim deixou de fazer sentido.

O treino não mudou absolutamente nada, continuei a treinar exatamente de forma que treinava, até continuo na mesma divisão de treino. Já passaram 5 anos, eu na altura tinha 65 quilogramas, e já fui aos 80 quilogramas com uma dieta vegan (…) bati o meu recorde e tudo isso como é suposto com o avançar do tempo.

Então, alguns mitos que existem que não se pode ser vegan e fazer musculação, não são verdade?

Não são verdade, e hoje em dia temos muita ciência a provar isso, cada vez mais, só este ano já saíram dois estudos, os dois saíram do Brasil curiosamente, a comparar atletas veganos com atletas omnívoros e a conclusão é simples; que não parece haver vantagens nem desvantagens desde que se cumpram as recomendações nutricionais em qualquer uma das dietas. Claro que esse aí é que é o problema, que é, quer uma dieta omnívora quer uma dieta vegana muitas vezes eles não cumprem as recomendações que deviam.

É fácil ou difícil ser vegan e praticar exercício físico?

Eu acho que para mim foi muito facilitado por já estar habituado a lidar com uma dieta, já tinha um certo conhecimento de dieta, já controlava muito bem a minha alimentação. Eu já olhava para a alimentação de modo um bocadinho mais funcional, “o que é que eu vou buscar aqui, o que é que eu vou buscar ali, o que é que me falta ir buscar hoje?”, então basicamente só tive de substituir as minhas fontes de proteína animal por fontes de proteína vegetal. Depois também descobri outros alimentos que fiquei super surpreendido porque é que ainda não os andava a comer, por causa do seu valor nutricional; Estou a falar de soja, seitan, tofu, têm valores nutricionais incríveis, mesmo para atletas, são altos em proteínas, mais baixos em calorias e gorduras, quase não têm colesterol, não têm gordura saturada como a carne. No geral eu descobri muitos alimentos depois de me ter tornado vegan a minha dieta tornou-se muito mais variada, aí não há comparação, porque abriu-me os horizontes.

E que alimentos é que se podem comer para substituir a proteína animal?

Leguminosas seria a base, não só por serem altas em proteína mas por serem particularmente saudáveis e a maioria das pessoas come poucas leguminosas, é mesmo muito importante comer leguminosas. Depois seria à base de tofu, seitan, soja, alguns substitutos de carne, às vezes a pôr vegetais (…) E depois é importante ter noção de que tudo aquilo que nós comemos tem alguma quantidade de proteína, nós esquecemos-nos disso. Facilmente chego ao final do dia e 60 gramas se calhar foram só umas que eu ou muita gente nem consideraria proteína. Nas nossas fontes de hidratos de carbono exatamente igual, nós podemos optar por um pão que tenha 5 gramas de proteína por fatia ou por um pão que tenha 2 gramas. Podemos optar por comer massa integral que tem 12 gramas de proteína em cada 100, ou por batatas que têm 2 gramas de proteína em cada 100. Nós temos é que fazer escolhas inteligentes ao longo do dia. Eu nunca senti dificuldade em atingir as doses diárias de proteína, aliás, continuei a atingir a mesma quantidade de proteína depois de me ter tornado vegan.

Na tua opinião, porque é que as pessoas acham que não é possível?

Eu acho que é falta de informação que já começa a ser colmatada, mas principalmente falta de informação do lado de atletas, e do chamado “broscience”. Porque mesmo quando eu entrei no mundo do bodybuilding, já havia muito esta ideia de quanta mais proteína comeres melhor, ou que tens que comer muita carne, muita proteína, aliás foi por isso que eu na altura até comecei a comer muita carne. Nós frequentemente fazíamos refeições sem carne lá em casa, o arroz de feijão, assim algumas coisas mais tradicionais, e eu reclamava sempre e dizia que “não, tem que ter carne” e depois começamos a comer carne em todas as refeições, só para veres a volta que isto deu (risos). Por isso, é muito a falta de informação, preconceito, mas com o passar do tempo já está a ser colmatado, já é muito diferente. Eu sou vegan há 5 anos, já quase há 5 anos e meio, e a evolução e a aceitação já é muito grande, mas ainda continua a haver preconceito, mesmo por parte de profissionais de saúde, profissionais do desporto, ainda há muito isso.

Existem alguns benefícios em ser vegan?

Vai depender muito, o rótulo de uma dieta não diz grande coisa sobre ela. Neste caso alguém diz-me que é vegan, ok, sei que não come produtos de origem animal, mas pode passar o dia a comer donuts, oreos, cereais de pequeno-almoço açucarados… Por outro lado se alguém me disser que é omnívoro, também não me vai dizer grande coisa, porque a dieta média omnívora é bastante má. A questão é: seguindo as recomendações nutricionais dá para atingir performance máxima e ser saudável, quer com uma quer com a outra. Depois podemos entrar na discussão se as recomendações nutricionais atuais estão ajustadas ou não, mas isso é outra questão, especialmente aqui ligado às questões de sustentabilidade.

A nível ambiental as recomendações atuais continuam a ser absolutamente insustentáveis, se as pessoas seguissem todas as recomendações já seria muito melhor – ninguém pensa nas recomendações não é, mas já seria muito melhor. Mas se toda a gente tentasse seguir aquilo, continuaria a ser insustentável. Nós neste momento já temos vários países, foi agora em janeiro a Dinamarca, que lançou as novas recomendações nutricionais e já com critérios de sustentabilidade. É esse caminho, e acho que as próximas recomendações que saírem a nível nacional também têm que ser assim.

E quando é que surgiu o livro e a ideia de o publicar?

Na altura em que comecei a treinar eu aprendi tudo no Youtube, e sentia-me um bocado sozinho por não conhecer ninguém que treinasse. Depois o meu irmão também começou a treinar, alguns amigos à minha volta começaram a treinar, mas era eu que ia sempre pesquisar tudo e aprender como é que se faziam as coisas.

E eu sempre senti, que gostava de fazer isso, de fazer vídeos para o Youtube a ajudar pessoas a treinar, a seguir um estilo de vida mais saudável, a ter resultados, mas nunca tive coragem de o fazer. Então, quando adotei este estilo de vida comecei a postar algumas coisas no Instagram. O Instagram foi crescendo até que chegou a altura em que eu pensei “olha, agora é a altura certa para eu avançar, para eu fazer isto, porque eu tenho tanta coisa para explicar, que faltava explicar aqui – no Instagram”. Consegui avançar na altura porque fui de Erasmus para Barcelona, então estava lá sozinho, estava longe de toda a gente, e avancei.

Na altura comecei com o canal em inglês (Vegan health and fitness), passado uns meses criei o canal em português (Rafael Pinto) , fui mantendo um pouco os dois, e até agora nos dois em conjunto já passámos os mil vídeos. Eu tinha muita informação, os vídeos eram científicos, eu escrevia sempre um guião, fazia pesquisa, tudo isso como se fosse publicar um artigo, tinha muita informação armazenada. Então chegou uma altura em que eu pensei “Ok, vou lançar um livro… vou fazer muito mais pesquisa claro, mas eu já tenho uma ideia, já tenho o índice na minha cabeça, do que eu quero fazer… é uma questão de começar”.

Na altura fui um bocado inspirado pelo meu amigo nutricionista desportivo Darchite Kantelal, que já tinha lançado um livro aqui em Portugal o “Bem comer, melhor jogar” também sobre dietas vegan, mais para desportos como o futebol. Ele inspirou-me, porque eu também nunca tinha conhecido ninguém que tivesse publicado um livro e vi que aquilo era possível, e decidi avançar e comecei a escrever. O livro demorou, a escrita em si demorou um ano, tinha muita pesquisa (…) passado mais um ano consegui lançá-lo. Já vamos na terceira edição, provavelmente este ano se calhar até antes do verão pode ser que consigamos avançar para uma quarta edição, vamos agora fazer o lançamento ao nível mundial na Amazon, para se comprar em qualquer parte do mundo, incluindo do Brasil, e se tudo correr bem no final deste ano também será feito o lançamento em inglês.

O livro tem mais de 1200 referências científicas, é um livro bastante denso, mas com uma linguagem muito fácil, é isso que as pessoas têm dito.(…) Eu queria escrever um livro mesmo informativo, um livro que ficasse e servisse de guia, como bíblia para as dietas veganas não só para o desporto, mas também para o desporto, e acho que até agora isso aí foi conseguido. Era um livro que fazia muita falta em Portugal, e mesmo ao nível mundial foi o primeiro lançado tendo em conta a ciência da dieta vegan e culturismo ao mesmo tempo, especificamente nos treinos de força, digamos assim. Normalmente eu organizo quase todos os capítulos da mesma forma; para população em geral, para população vegan, para população vegan que pratica todos os tipos de desportos, e depois vou afunilando até ao treino de força em si, ou seja, tento cobrir aqui toda a área, por isso é que não é só um livro para vegans, porque as questões de dieta aplicam-se para todos da mesma forma.

Que recomendações farias a uma pessoa que queira dar os primeiros passos na dieta vegana e em praticar exercício físico?

Uma pessoa que quer ser vegan eu diria para fazerem uma lista de 10 receitas que gostem no geral, podem ir buscar já as receitas que comem no dia a dia que sejam vegan ou quase vegan, porque nós acabamos sempre por rodar à volta das mesmas 10/15 receitas no nosso dia a dia. Portanto façam essa lista ou descubram essa lista, e abram os horizontes para outras culturas, para o que as outras culturas fazem. A cultura árabe, a cultura asiática, mexicana, tudo isso são culturas com muita variedade de alimentação muitas vezes à base de vegetais, portanto abram um bocadinho os horizontes. Mesmo a própria dieta mediterrânica não a de agora, mas a de antigamente também era muito assim…

No que toca ao treino, eu diria para simplesmente fazerem. Eu acho que as pessoas muitas vezes tratam o treino como uma coisa “ah se eu tiver tempo vou, não sei se vou ou não”. Não, eu diria para tratarem o treino como vocês também não acordam de manhã e pensam “ah hoje não me apetece ir às aulas, hoje não me apetece ir trabalhar”, não é assim que funciona. E no treino também tem que ser assim, remover a força de vontade, digamos assim, dessa equação, mas acima de tudo para facilitar isso, têm que encontrar um treino e um estilo de desporto que gostem, porque se não gostam não o vão fazer durante muito tempo, não vale a pena estarem-se a massacrar e ao psicológico a fazer algo que não gostam. Acima de tudo, tanto para o treino como para a dieta, descubram bem e definam bem o vosso porquê, o porquê de quererem fazer as coisas; quando têm um porquê grande o suficiente, conseguem fazer tudo aquilo que querem.





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