A verdade inconveniente do sector das águas residuais
“A nossa missão é igual à de um mágico no circo – fazemos as coisas desaparecer”. Foi com esta visão bem nítida e expressiva que o professor Willy Verstraete começou a sua apresentação sobre águas residuais no Congresso Mundial da Água. Minutos antes, Verstraete tinha sido apresentado por Diane d’Arras, vice-presidente da IWA (International Water Association), como o Vasco da Gama das Águas Residuais.
“Sim, Willy pode ser um Vasco da Gama das Águas Residuais, mas queremos que ele seja o Fernão de Magalhães, que vá por outro lado”, gracejou d’Arras.
Segundo Verstraete, o sector das águas residuais faz o mesmo há 100 anos, e isso tem de mudar. “Temos de pensar em novas formas [de pensar o sector]. A energia é a peça fulcral para esta transição e esse é o primeiro recurso que deveremos recuperar”, explicou. “A indústria da água gasta 1% do total global de electricidade e os seus custos energéticos aumentaram 20% nos últimos anos. As lamas activadas são responsáveis por 55% destes custos”.
O professor entrou aqui no tema da sua conferência, a recuperação de recursos. Verstraete não demorou a fazer ver o seu ponto de vista. “Os esgotos têm muitos recursos. O tratamento de águas residuais precisa de muita energia mas acaba por gastar a água usada, em vez de a reutilizar”, explicou.
Segundo Verstraete, a nova missão de sustentabilidade das ETAR passa por recuperar a água, energia e recursos das águas industriais e municipais. “Estamos a fazer algum bom trabalho, a recuperar calor, mas não é suficiente. O velho modelo está acabado”, explicou.
O professor admitiu que o tratamento de águas residuais centralizadas “tem de ser redesenhado” para fechar o ciclo da água, dando o exemplo de Koksijde, na Bélgica, onde 80 mil pessoas já têm fornecimento de água vinda dos esgotos; ou em Orange County, na Califórnia, que acabou de vencer o Prémio LKY de 2014 pelo trabalho pioneiro na gestão de águas residuais e recuperação de recursos.
Ainda que os desenvolvimentos tecnológicos não permitam, para já, grandes alterações no sistema, elas serão inevitáveis a curto prazo. Quando chegar esta hora, a comunicação e transparência será fundamental para garantir às pessoas que a água que consomem tem qualidade, apesar do sítio de onde veio. Aliás, isso já acontece na aquacultura, que procura nutrientes nos sítios mais incomuns.
“Ninguém se queixa quando vai ao restaurante e come algo que é 50% baseado em merda”, atirou, para o riso geral.
Para além da água, Verstraete diz que é possível retirar calor, energia e nutrientes das águas resiuduais. “É uma mudança de paradigma e temos de comunicar claramente que podemos recuperar algo que esteve em contacto com matéria fecal”, concluiu.
Foto: The City of Toronto / Creative Commons
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