Como as alterações climáticas estão a afetar a reprodução das aves em todo o mundo



Os efeitos das alterações climáticas, sobretudo o aquecimento do planeta, têm vindo a fazer diminuir o número de crias produzidas por algumas aves ao longo do último meio século.

A conclusão é de uma investigação divulgada esta segunda-feira na publicação ‘PNAS’, que analisou as transformações na reprodução de 104 espécies de aves em todos os continentes entre 1970 e 2019. O objetivo central era perceber se alterações na temperatura e precipitação locais estariam a afetar o número médio anual de crias geradas pelas fêmeas.

Das 201 populações de aves estudadas na natureza, isto é, não foram analisadas populações mantidas em cativeiro, os cientistas perceberam que “de modo geral, a produção de descendência caiu nas últimas décadas”, explica Jeffrey Hoover, especialista em ecologia de aves da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos da América, e um dos coautores do artigo, que contou com os contributos de uma centena de cientistas de todo o mundo.

Contudo, os efeitos do aumento da temperatura variam consoante a população e a espécie em causa. Por exemplo, escrevem os autores, em 56,7% das populações estudadas registou-se uma queda do número de crias produzidas, ao passo que em 43,3% verificou-se o contrário, ou seja, um aumento da quantidade de crias.

Garajau-rosado (Sterna dougallii).
Foto: U. S. Fish and Wildlife Service – Northeast Region / Wiki Commons

Os investigadores explicam que, de modo geral, “as espécies de aves cuja produção de descendência diminuiu tendiam a ser relativamente grandes e migradoras”, ao passo que espécies mais pequenas e sedentárias aumentaram o número de crias produzidas.

Assumindo que essas alterações, observadas ao longo de 50 anos, podem não estar diretamente relacionadas com as alterações climáticas globais, os cientistas dizem, no entanto, que podem refletir os impactos dessas alterações sobre a ecologia das aves, como mudanças ao nível das migrações e da sobrevivência dos fetos.

“Os nossos resultados sugerem que espécies não-migradoras, especialmente as mais pequenas, são habitualmente capazes de se ajustarem a alterações nas condições locais e podem beneficiar de climas mais quentes”, argumentam os autores, mas “espécies migradoras, com a exceção das mais pequenas, podem sofrer” com essas mudanças ambientais.

Entre as espécies que registaram as maiores diminuições do número de crias desde os anos 1970 estão o tartaranhão-caçador (Circus pygargus) e a cegonha-branca (Ciconia ciconia), ambas aves migradoras e com dimensões corporais relativamente grandes. Além dessas, também o quebra-ossos (Gypaetus barbatus), o garajau-rosado (Sterna dougallii), a andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) e o Malurus elegans também viram o número das suas crias cair.

Cegonha-branca (Ciconia ciconia).
Foto: Nicolas Weghaupt / Wiki Commons

Em contraponto, a alma-negra (Bulweria bulwerii), o gavião-da-europa (Accipiter nisus) e o torcicolo (Jynx torquilla) viram o número médio de crias aumentar nos últimos 50 anos. Por outro lado, dentro da mesma espécie de ave foram verificadas diferenças nos números de crias geradas de local para local.

É por isso que Hoover diz que “apesar de, no geral, o planeta estar a aquecer, os efeitos do aquecimento global no clima e temperatura locais podem variar consideravelmente” dentro dos limites do território de reprodução de uma espécie.

O cientista considera que as espécies com corpos maiores parecem, assim, estar “particularmente vulneráveis” aos efeitos das alterações climáticas sobre a sua capacidade de reprodução, uma vez que “podem ser menos capazes de se adaptarem a um clima em mudança, porque tendem a ter um ritmo de vida mais lento”. Isto é, as aves maiores “demoram mais tempo a atingir a maturidade e a produzir descendência” e tendem a pôr menos ovos em cada época de postura.

Gavião-da-europa (Accipiter nisus).
Foto: Wiki Commons

Por outro lado, as alterações climáticas podem ainda levantar outros obstáculos à sobrevivência das espécies migradoras, modificando a disponibilidade de alimento. Por exemplo, quando um grupo de aves migradoras chega, por fim, ao seu destino, poderá, devido às alterações climáticas, não encontrar alimento suficiente para responder às necessidades do bando, havendo, dessa forma, uma falta de correspondência entre o ciclo migratório e a disponibilidade de comida.

Este estudo “destaca a importância de se realizarem estudos demográficos de longo-prazo e detalhados sobre populações selvagens de organismos”, afirma Hoover, acrescentando que, devido “à complexidade da natureza”, “algumas espécies podem experienciar diretamente os efeitos do aquecimento global” enquanto outras podem enfrentar perigos que resultam das “interações complexas” entre alterações climáticas e a sua própria ecologia.





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