Ana Cláudia Bordalo, Queima das Farpas: “80% dos estudantes de Coimbra não se revêem na garraiada”



Há 86 anos que a Queima das Fitas de Coimbra organiza uma garraiada no Coliseu da Figueira da Foz, mas há cada vez mais vozes – dentro e fora da academia – que combatem esta “tradição bárbara em pleno século XXI”, nas palavras de Ana Cláudia Bordalo, uma das organizadoras do movimento Queima das Farpas.

Há umas semanas, a Queima das Farpas lançou uma petição para abolir a garraiada e todos os espectáculos com touros da Queima das Fitas de Coimbra, uma acção que lhe garantiu um invulgar palco mediático nacional e que colocou a organização da festa académica entre a espada e a parede. O Green Savers falou com Ana Cláudia Bordalo sobre o movimento, a petição e os espectáculos tauromáquicos, em geral.

Como surgiu a ideia para esta iniciativa e quem a desenvolveu?

A ideia de abolir a tauromaquia é antiga e transversal na sociedade portuguesa. O seu patrocínio pela Universidade – uma instituição que deve representar novos modelos de pensamento – é absolutamente anacrónico, porquanto a única razão apresentada para que se constitua como excepção à lei que protege os animais de serem maltratados é a tradição. Ora o facto de se fazer algo há muito tempo é inaceitável como justificação para se continuar a realizar uma actividade repugnante em termos éticos. A pergunta deveria ser antes: porque ainda não foi abolida esta tradição bárbara em pleno século XXI?

A tradição da garraiada existe, na Queima das Fitas de Coimbra, desde 1929. Na vossa opinião, que hipótese terá a vossa iniciativa de ser levada em conta pelas organizações responsáveis pela queima?

Que quem ganha a sua vida a maltratar animais para fins de entretenimento, se empenhe em assegurar a sua actividade, é compreensível. O que não podemos compreender é que os estudantes do ensino superior se recusem a questionar a legitimidade das actividades que promovem. Entendemos que é difícil exercermos pensamento crítico sobre práticas consideradas comuns na sociedade em que vivemos, mas não é impossível. Acreditamos que, trazendo este debate à comunidade estudantil, a abolição é inevitável.

Ponderam pedir aos estudantes para boicotar o evento ou preparar alguma acção específica para o dia da garraiada?

De acordo com uma sondagem levada a cabo, 80% dos estudantes da Universidade de Coimbra não se revê na garraiada, ou seja, de todas as actividades que fazem parte do programa da Queima das Fitas, a garraiada é, de longe, que reúne menos vontades. Pensamos que é só uma questão desses 80%* fazerem valer as suas razões e deixarem de ser a “maioria silenciosa”.

Acredita que se o tema for discutido a nível nacional – e com o apoio de entidades pró-animal nacionais – ele poderá mais facilmente chegar aos organizadores da Queima das Fitas?
Achamos que é tempo de iniciar o debate a todos os níveis. No entanto, o ensino superior é um mundo autónomo e deve servir de charneira, definir o espírito dos tempos, e não o contrário.

Muitas destas iniciativas, para serem bem-sucedidas, têm de ter consistência temporal. Se não conseguirem acabar com a garraiada este ano, voltarão “à carganos próximos?

O nosso movimento só acabará com a abolição de espectáculos de massacre de animais no contexto das festas académicas.

O que poderia substituir a garraiada no mapa de eventos da Queima das Fitas?

Não nos compete a nós apresentar alternativas, pois o objectivo é acabar com o que consideramos inaceitável. No entanto, estaremos abertos a contribuir para a criação de um qualquer outro evento, se todos entendermos que beneficiará a nossa festa.

Coimbra já tinha estado nas notícias, por razões menos abonatórias, devido ao envio de carrinhos de supermercado para o Mondego, depois do desfile da Latada. Por que razão a mais reputada universidade portuguesa continua com tradições tão insustentáveis?

A irreverência estudantil deve manifestar-se de formas menos lesivas.

Qual o seu passado enquanto estudante, idade e a sua ligação a associações ou entidades pró-animais?

Sou estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tenho 25 anos. A minha única ligação é ao Grupo Ecológico, secção cultural da Associação Académica de Coimbra, do qual sou sócia e através do qual tento fazer algum trabalho de sensibilização na área dos direitos dos animais.

Que outras pessoas fazem parte deste movimento?

Este movimento engloba pessoas de toda a comunidade, não apenas do meio académico/estudantil, é um movimento de vontades de diferentes pessoas que não se revêem neste tipo de práticas completamente desenquadradas daquele que é hoje o nosso conhecimento em relação aos animais.

*(Dados da pesquisa Culturas Juvenis e Participação Cívica: diferença, indiferença e novos desafios democráticos, coordenada por Elísio Estanque e Rui Bebiano e realizada no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra entre 2003 e 2006. Projecto financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia/ Ministério da Ciência e do Ensino Superior, no POCTI/SOC/45489/2002)





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