Fármaco para combater a diabetes está a pôr em risco populações de peixe-zebra em Portugal e Espanha



Diz a Organização Mundial de Saúde que entre 1980 e 2014 o número de pessoas com algum tipo de diabetes quadruplicou a nível global, para 422 milhões. Um estudo publicado na ‘Diabetes Research and Clinical Practice’ revelou que em 2019 esse número chegava aos 463 milhões, sendo que as previsões apontam para que se ultrapasse a marca dos 700 milhões até 2045.

Assim, aumentará também o uso de fármacos para ajudar as pessoas com diabetes a controlarem a glicemia, os níveis de açúcar no sangue, e um deles é a metformina.

Num artigo publicado recentemente na revista ‘Environmental Science & Technology’, um grupo de investigadores espanhóis (da Universidade de Santiago de Compostela) e portugueses (da Universidade do Porto e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) alertam para os impactos negativos desse fármaco nos ecossistemas aquáticos e para os riscos enfrentados por várias espécies de peixes.

Com o aumento previsto do número de pessoas com diabetes, espera-se igualmente que aumenta a quantidade de fármacos que acabarão nos habitats aquáticos, transportados por descargas de águas residuais, por exemplo. Segundo os autores, a metformina é já o fármaco mais frequentemente detetado nesses ecossistemas e o que maiores concentrações apresenta a nível global, tendo aumentado “significativamente” entre 2006 e 2022.

Os cientistas reconhecem que ainda não se compreendem totalmente os efeitos desse fármaco na vida aquática, mas afirmam que a exposição dos peixes a esses químicos ao longo de todas as suas vidas é motivo para grande preocupação.

Para poderem avaliar os impactos da metformina na vida aquática, os investigadores debruçaram-se sobre o peixe-zebra (Danio rerio). Através da análise genética de indivíduos recolhidos nos Norte de Portugal e na Galiza, perceberam que esse fármaco é um dos contaminantes “mais frequentemente detetados na água das bacias hidrográficas estudadas”, apresentando concentrações que os cientistas dizem causar “efeitos adversos” nos peixes-zebra.

No ano passado, a Comissão Europeia reviu a lista de substâncias que consta da diretiva-quadro que regula os padrões de qualidade da água, tendo sido proposto que a metformina passasse a ser classificada como “substância prioritária”, algo que os especialistas entendem ser um sinal de que é “urgente” avaliar os impactos desse fármaco nos ecossistemas aquáticos.

Investigadores Teresa Neuparth e Nélson Alves durante recolha de amostras.
Foto: Marlene Pinheiro (coautora do artigo)

Contudo, os valores considerados seguros nessa revisão não correspondem aos resultados obtidos pelos investigadores no terreno, em que foi possível constar impactos significativos nos peixes com concentrações muito abaixo das definidas como ‘seguras’. Por isso, defendem que a lista de substância da diretiva-quadro deve ser alvo de “uma revisão e atualização para valores mais seguros”.

Através de medições, descobriu-se que concentrações tão baixas quanto 390 nanogramas de metformina por litro de água são suficientes para afetar a sobrevivência do peixe-zebra nos primeiros estádios de desenvolvimento, para alterar o seu crescimento ao longo da vida e para reduzir a sua capacidade de reprodução.

A revisão da lista define que concentrações de até 1.030 microgramas de metformina por litro não afetam os organismos aquáticos e que até 160 microgramas por litro no ambiente é um valor considerado seguro. Devemos recordar que um micrograma é mil vezes superior a um nanograma, pelo que os efeitos observados pelos cientistas ocorrem com quantidades bastante menores do que as estipuladas pelos regulamentos comunitários.

“Os critérios de qualidade ambiental propostos para a metformina estão longe de proteger a saúde ambiental”, alerta Teresa Neuparth, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do Porto, e uma das coautoras do artigo.

É por essa razão que a investigadora argumenta que “deveriam ser atualizados para valores mais seguros, tendo em conta este e outros estudos de avaliação em exposições crónicas de longa duração”.





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