Reportagem. Fogo consome o Pantanal e expõe ineficiência de política ambiental do Brasil



A região sofre este ano uma das piores secas em décadas, problema agravado pela ineficiência das autoridades em controlar o fogo, geralmente provocado pela ação humana, que se espalha rapidamente e chega a áreas de difícil acesso.

As queimadas também são facilitadas pela falta de uma fiscalização e de ações de prevenção para impedir o início das queimadas, segundo especialistas consultados pela Lusa.

“Percebemos focos de incêndio no Pantanal até mesmo em janeiro, uma época atípica para a região porque geralmente está chovendo e você não tem incêndios naquela região […] Este ano a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] do Pantanal já constata que é a pior da seca nos últimos 47 anos”, explicou Júlio Sampaio, líder da Iniciativa Pantanal do WWF-Brasil.

“É um ano em que houve baixíssima precipitação, choveu menos de metade do que se esperava para esta região, o rio Paraguai não subiu, não encheu o Pantanal e o que sobrou foi uma paisagem formada por gramíneas, que num período muito seco se tornam um combustível para incêndios ambientais”, acrescentou o especialista.

Situado na região centro-oeste, no sul da Amazónia, o Pantanal é uma planície que tem 80% de sua área inundada na estação chuvosa e é considerado um santuário onde ainda se encontra preservada uma fauna extremamente rica, que inclui animais como a onça pintada e a arara azul.

A maior área do Pantanal (62% ou 150.355 quilómetros quadrados) está no território brasileiro. Cerca de 20% do bioma (conjunto de ecossistemas) situa-se na região norte do Paraguai e 18% na Bolívia.

Felipe Augusto Dias, diretor executivo da Organização não-Governamental SOS Pantanal, também citou a seca extrema como dado determinante para as queimadas.

“A planície [do Pantanal] é alagada por uma água que vem de áreas externas. As chuvas acontecem nas partes altas e escoa em direção a planície […] a fonte principal desta água é o rio Paraguai, que extravasa e vai lentamente inundando a área. O que aconteceu de diferente é que em janeiro não houve a cheia [alta do rio provocada pela chuva] de forma adequada”, salientou.

“O fogo que acontece todo o ano ampliou a sua área, hoje já temos mais de um milhão e quatrocentos mil hectares de áreas queimadas, segundo os dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e infelizmente não temos ainda dados sobre os impactos deste fogo na vegetação”, completou.

Dados compilados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão do Governo brasileiro que faz a monitorização do território por satélite, o número de queimadas no Pantanal subiu 228% este ano, passando de 3.227 focos de incêndio entre 01 de janeiro e 03 de setembro de 2019 para 10.595 focos de incêndio no mesmo período de 2020.

Diferentemente da Amazónia, o Pantanal brasileiro é divido em propriedades privadas (96%) onde fazendeiros desenvolvem atividades agropecuárias adaptadas ao clima e as condições da região há séculos e que tradicionalmente convivem em harmonia com o meio ambiente.

“Nós temos cerca de 85% da área do Pantanal com vegetação nativa. A pecuária utiliza este ecossistema e há uma harmonia entre a atividade económica e o aspeto ambiental”, frisou o diretor da SOS Pantanal.

Júlio Sampaio, da WWF-Brasil, lembrou que embora exista um bom convívio entre atividade humana e o meio ambiente, o fogo é uma ferramenta usada no trabalho na terra no Pantanal e se for aplicado sem o olhar atento dos agentes públicos pode causar estragos.

Os dois especialistas consideraram que a ação do Governo brasileiro para evitar as queimadas no Pantanal assim como em outros biomas do país é ineficiente.
“O Governo está tentando tampar o sol com a peneira. Em nível de combate, os brigadistas e os bombeiros trabalham fortemente para evitar a propagação das chamas, mas precisam de estruturas melhores de trabalho, deveria haver uma brigada nacional para combater incêndios […] A Política ambiental no Brasil falha e estão deteriorando tudo que havia de razoável e bom no país”, referiu Felipe Augusto Dias.

O responsável da WWF-Brasil destacou que a política ambiental é uma pasta crítica desde o início do Governo do Presidente Jair Bolsonaro e embora tenham ocorrido denúncias dentro e fora do país não foram dadas respostas adequadas às críticas e problemas.
“No Pantanal a ação vem de forma tardia. O ministro [Ricardo Salles, do Meio Ambiente] e o Presidente estiveram na região, indicaram recursos para combater estes incêndios só que não houve nenhuma discussão sobre modelos de gestão e prevenção nos meses anteriores”, criticou o especialista.

“O custo de apagar um incêndio no Pantanal é muito mais alto do que implementar uma estratégia eficiente de proteção, monitorização do fogo naquela região. O que a gente espera são ações efetivas”, concluiu.





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