José Pedro Salema, presidente da EDIA: “Queremos ter painéis fotovoltaicos flutuantes e ser uma das maiores centrais do país”



Na segunda parte da entrevista exclusiva ao Green Savers, o presidente da EDIA, José Pedro Salema, revela os planos que tem para tornar a EDIA um dos maiores players de energia fotovoltaica em Portugal, reduzindo a factura energética da entidade gestora de Alqueva até 25%. 

Como podemos aproveitar o sol em prol da produção energética, em Alqueva, seja para auto-consumo ou para injectar na rede?
Se o projecto de Alqueva inicialmente estava pensado para ser equilibrado ou até positivo do ponto de vista energético, em que a potência instalada em Alqueva e Pedrogão produziriam a energia suficiente para a bombagem que é necessária para distribuir a água, acho que ainda assim há ainda muito a fazer no domínio da energia solar. Temos um ponto de produção muito interessante em Alqueva, mas esse foi entregue à nossa eléctrica nacional por 35 anos e não beneficia muito directamente com essa produção. Acho que poderia beneficiar muito com a adopção de centrais solares junto aos pontos de consumo.

O que é que já se fez nesse campo e que investimento requer?
Nós temos uma central solar muito pequena em Alqueva, de 25 kw. Já avançamos com a instalação de uma central fotovoltaica de 110kw na cobertura da nossa sede, em Beja. Vai ser o edifício mais verde e sustentável de Beja. Hoje essa solução solar que a central traz aponta para a cobertura de dois terços da necessidade do edifício, mas acredito que, conjugada com medidas de eficiência energética, poderá chegar à totalidade da sede. (A instalação e ligação está em fase de conclusão). É claro que esta não é a nossa principal unidade de consumo, mas sim as centrais de estações de bombagem.

Que investimento foi feito pela EDIA nessa cobertura fotovoltaica, na sede?
Zero! Quem faz o investimento é um investidor externo à empresa, um privado. O benefício directo para a EDIA é uma renda paga por esse privado. O investidor tem acesso à área e tem acesso a um ponto onde pode injectar a energia e ganha a maior parte da fatia. É uma solução em que não temos de fazer investimento e que dá um sinal relevante para a sociedade e o mercado, que mostra que a EDIA está preocupada com esse assunto.

De que investidor se trata?
É a empresa Ikaros Hemera. A EDIA fez uma consulta e esta empresa foi quem apresentou a melhor proposta.

E que outros passos a EDIA quer dar em 2015, a caminho da sustentabilidade energética?
Esse foi só o primeiro passo. Mas também já lançámos uma consulta em algumas empresas para a instalação de onze pontos junto a onze centrais de bombagem de unidades de mini-produção, de 250 kw cada. Se somarmos isto tudo, queremos ter nos próximos meses 3 MW de potência instalada solar, o que já começa a ser interessante. Mas ainda é pouco.

A ambição em matéria de produção de energia solar não fica por aqui, até porque quer reduzir a factura energética da EDIA, certo?
Sim. Nós temos muitas mais estações elevatórias e temos a ambição de conseguirmos instalar centrais maiores, de 10 mw a 20 mw, para autoconsumo e, aí sim, conseguiríamos reduzir a nossa factura energética, além de valorizar espaços sobre aproveitados que estão ao lado de locais de consumo. Assim, o que for produzido será aquilo que nós consumidos, menos vamos usar da rede e, portanto, a factura baixa mesmo.

Neste caso, de que investimento fotovoltaico está a falar?
Está a ser estudado. Nós acreditamos que existem algumas oportunidades no quadro comunitário para ir buscar financiamento.

Que outras oportunidades vê neste tipo de solução energética?
Vejo a oportunidade de introduzir alguma inovação. A área dos nossos reservatórios está desaproveitada e poderíamos ter ali painéis solares em cima da água. Essa é a minha visão.

Nesse caso, a solução da cobertura dos reservatórios de água com bolas (de que falou na primeira parte da entrevista) teria de ser substituída pelos hexágonos?
Sim. Não é possível conjugar as duas coisas, mas já existem no mundo muitas soluções. Por exemplo no Japão já existem centrais com 6mw a 10 mw flutuantes, porque têm muitos lagos e pouco espaço.

Bom, essa opção tomada pelo Japão tem que ver com a prevenção de catástrofes como a de Fukushima (violento terramoto que, há quatro anos abalou o Japão, afectando a central nuclear de Fukushima).
Exacto. Para nós a razão é que ter uma cobertura flutuante, com painéis em cima, vai reduzir brutalmente a evaporação de água, diminuindo a intensidade de radiação na água e reduzindo a temperatura da água o que faz aumentar a produção de energia em cerca de 15%. Diminuindo a luz que chega à água também há menos algas e logo a água tem melhor qualidade. É tudo bom! Só há um problema: o investimento. O facto de colocar painéis em cima de água custa mais do que colocar os painéis em cima da terra.

O que prevê que poderia ser a capacidade instalada de produção, com os todos os 69 reservatórios cobertos?
Nem me atrevo a dizer! Seria um dos maiores projectos solares em Portugal. Há outros grandes em Portugal, mas rivalizaria. A Amareleja, por exemplo, tem 38 MW de produção, nós conseguíamos ter mais do que isso e ser o projecto solar mais diferente, em que as criticas que geralmente são apontadas aos projectos solares, quanto à ocupação de um solo que poderia ser agrícola, desapareceriam, já que a área de reservatórios não pode ser utilizada para mais nada.

Como é que este projecto poderá, realmente, contribuir para a sustentabilidade financeira da EDIA?
Poderia reduzir a factura energética em um quarto, facilmente. Pensar em 10%, 15% ou até em 25% é perfeitamente plausível. A energia para nós é o maior custo operacional que temos.
Quanto gasta a EDIA em energia, por ano?
Dizer o número deste ano talvez seja pouco impressionante, são €5 milhões, mas temos de pensar é quanto é que pode ser no futuro e pode chegar a €25 ou €30 milhões de electricidade por ano, tendo em conta que o crescimento de utilização de água no regadio. Portanto, reduzir a factura mesmo que seja 10% é relevante. Terá reflexos nos custos, mas também na utilização da água, ou seja, se pouparmos mais conseguiremos vender a água a um valor mais interessante e, se o preço da água for mais baixo, haverá mais interessados em fazer agricultura na região e mais criação de riqueza para o país. Para mim, o maior drive que a EDIA deve seguir é esse. Isto encaixa no sonho antigo que eu tinha de poder trabalhar em energias renováveis e, de repente, estou a conseguir.

Tendo em conta que os fundos do quadro comunitário Portugal 2020 ainda não estão disponíveis, e poderão demorar vários meses até poderem ser utilizados, isso quer dizer que estes planos ficam para 2016?
Acho que os projectos têm de ser pensados agora, mas o quadro dura sete anos e não é preciso apresentar todas as candidaturas no primeiro ano. Temos tempo, temos de estudar bem o assunto, até porque não é fácil encontrar um modelo de financiamento que a EDIA tenha capacidade de suportar. Quase todos os investimentos que a EDIA faz estão sempre assentes em financiamentos comunitários.

Para o futuro, e dentro do seu mandato, o que pode fazer mais para que a sustentabilidade das contas da EDIA possa ser assegurada?
O foco agora para Alqueva é a construção, a infra-estruturação e entrada em funcionamento da maior superfície possível e mais rapidamente possível e isso está ligado directamente com a sustentabilidade. Existe uma estrutura com custos fixos e que têm de ser diluídos pelo maior volume possível. Portanto, trabalhar na promoção do regadio é um dos pilares fundamentais da nossa agenda de sustentabilidade. Só promovendo e vendendo o projecto Alqueva é que conseguimos boas taxas de utilização, e desta forma mais volumes, menos custos fixos e garantia de sustentabilidade do projecto e da empresa.

No âmbito dessa promoção, defende a necessidade de atrair mais investidores estrangeiros. Tem tido novas abordagens?
Sim, há sempre. Mas são contactos demorados. Recentemente, na Feira de Berlim, houve quatro contactos muito interessantes e já houve visitas posteriores desses mesmos investidores, mas são contactos que demoram sempre.

O que é para si sustentabilidade?
É garantir que uma organização consegue não só ter viabilidade económica mas também sustentabilidade ambiental, ou seja, respeita o ambiente em que se insere e os recursos naturais, mas também respeitando a sociedade em que se insere. Para EDIA isso é algo muito natural, porque não podemos dissociar a água do ambiente, é o elemento agregador, é a origem da vida. Falar de sustentabilidade e ambiente sem falar de água é impossível.

Pode dar um exemplo prático de como essa preocupação faz parte do ADN da EDIA?
A razão de ser do projecto de Alqueva é a criação de uma reserva estratégica de água, que pode ter vários destinos. Isso está muito ligado ao conceito de sustentabilidade e à economia circular, de que hoje se fala muito, ou seja, utilizar várias vezes a mesma coisa. Na água fazemos muito isso, turbinamos a água, produzimos energia, depois bombamos a água porque há excesso de energia na rede e voltamos a por água outra vez dentro do lago. Depois essa água pode ser utilizada para ir andar ou fazer canoagem em cima dela e a mesma água é bombada, é distribuída e é usada numa planta. Isto é sustentabilidade.

E dentro da empresa, a EDIA tem um código de boas práticas internas de sustentabilidade? O que está a fazer nessa área?
Tem desde as etiquetas para apagar a luz, ao revestimento que foi feito no edifício sede para melhorar o isolamento e reduzir o consumo energético, ao ar condicionado ajustável de forma independente, além de estamos no processo de certificação do edifício sede e a estudar medidas de eficiência energética na iluminação pública porque temos muitos locais iluminados, só na barragem de Alqueva são uns 200 candeeiros.

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