No mundo das flores, as traças podem ser tão importantes quanto as abelhas



A polinização das plantas com flor pelos insetos é fundamental para assegurar o seu sucesso reprodutivo, bem como para promover a diversidade das paisagens e tornar as culturas agrícolas mais resilientes a choques ambientais.

No entanto, quando pensamos em polinização, as primeiras imagens que nos surgem na mente são de abelhas e borboletas. E isso não é descabido, pois esses dois grupos, a par das moscas-das-flores (ou sirfídeos) podem ser considerados os polinizadores ‘por excelência’, devido à eficiência da sua polinização, por passarem grande parte das suas vidas em busca de alimento e por visitarem um grande número de flores.

Ainda assim, há que prestar atenção ao que acontece quando o sol se põe, uma vez que a polinização não ocorre só durante o dia.

Traça da espécie Pammene suspectana.
Foto: Ben Sale / Wikimedia Commons

Uma equipa de cientistas da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, revela que os polinizadores noturnos, como as traças (também conhecidas como borboletas noturnas), podem visitar tantas flores quanto as abelhas e que, por isso, devem também eles ser alvo de programas de conservação.

“As pessoas geralmente não apreciam as traças, pelo que podem frequentemente ser ignoradas comparativamente às abelhas quando se fala de proteção e conservação”, explica Emilie Ellis, principal autora do artigo publicado esta semana na ‘Ecology Letters’.

Mas salienta que é cada vez mais evidente que precisamos de prestar muito mais atenção a esses insetos e perceber que “o papel importante que as traças desempenham no estabelecimento de ambientes saudáveis”, sobretudo quando se sabe que as populações de traças têm vindo a sofrer duras perdas ao longo dos últimos 50 anos.

No artigo, os investigadores dão conta de que as traças representam cerca de um terço de todas as visitas feitas pelos polinizadores a flores, culturas agrícolas e a árvores em áreas urbanas.

Além disso, alertam que as traças que estão sob uma maior pressão face à expansão urbana tendem a ser menos resilientes do que as abelhas, por causa do seu ciclo de vida mais complexo e por terem exigências alimentares mais específicas.

As previsões apontam que até 2050 a populações humana a viver em cidades duplicará, pelo que a pressão sobre estes polinizadores só tenderá a crescer. Por isso, os autores defendem que o planeamento urbano deve incluir a criação de espaços de grande diversidade de espécies de plantas, que permitam suportar as populações de polinizadores, como as traças e as abelhas.

Traça Phalaenophana pyramusalis.
Foto: Christina Butler / Wikimedia Commons

“O nosso estudo mostra que em áreas mais urbanizadas a diversidade de pólen transportado pelas traças e pelas abelhas diminui, o que significa que os polinizadores urbanos podem ter menos recursos florísticos disponíveis”, explica Ellis.

A especialista acredita que proteger os espaços verdes nas nossas cidades e assegurar que são criados de forma a conservar não apenas as abelhas, mas também todos os outros insetos polinizadores, podermos garantir a resiliência dessas espécies e, ao mesmo tempo, fazer com que os centros urbanos sejam “lugares mais saudáveis e mais verdes”.

A investigação revelou também que as traças, que já se sabia visitarem plantas com flores menos coloridas e com fragâncias mais intensas, afinal visitam um leque muito mais vasto de espécie vegetais e transportam quantidades de pólen muito maiores do que antes de pensava.

Stuart Campbell, outro dos investigadores, avança que a polinização das abelhas e das traças podem mesmo estar a complementar-se, com umas a visitarem um determinado grupo de plantas e as outras outro.

Essa verificação foi feita com base em testes genéticos feitos aos grãos de pólen transportados pelas traças e pelas abelhas nos seus corpos, que permitiu aferir a que espécie de planta pertencem.

“Descobrimos que as traças estão provavelmente a polinizar um conjunto de espécies de plantas, muitas delas selvagens, que é pouco provável que estejam a ser polinizadas pelas abelhas, e vice-versa”, argumenta o cientista.

Campbell afirma que “este estudo torna claro que a polinização é conseguida através de redes complexas de insetos e plantas, e estas redes podem ser delicadas e sensíveis à urbanização”, pelo que quanto melhor se conhecerem essas interações entre polinizador e planta, melhor se conseguirá proteger esses insetos e as espécies vegetais dos quais eles dependem e que dependem deles.

Poluição luminosa está a afetar o ciclo de vida das borboletas noturnas

Outra das consequências da expansão das cidades é o aumento da poluição luminosa, causada pela intensificação da iluminação artificial que perturba os ciclos de vida dos animais que evoluíram na penumbra.

Para se protegerem do clima rigoroso do inverno, as lagartas das traças transformam-se em pupas, uma forma mais resistente ao frio, algo que, geralmente, acontece na transição do verão para o outono, quando os dias começam a ficar mais curtos.

No entanto, a poluição luminosa pode estar a ‘enganar’ os relógios biológicos das traças, causando uma luminosidade quase permanente. Isso faz com que a metamorfose aconteça mais cedo e que as borboletas surjam no seu estado adulto ainda antes do inverno, deixando os insetos vulneráveis às condições duras do inverno.

A descoberta foi revelada num artigo publicado na revista ‘Journal of Applied Ecology’, no qual um grupo de investigadores da Finlândia, República Checa e Bélgica estudou os impactos da poluição luminosa no desenvolvimento e vida das traças.

A equipa comparou também as reações à luminosidade de populações urbanas e populações rurais, e percebeu que qualquer uma delas apresentava uma resposta negativa à poluição luminosa, ou seja, o ciclo de vida de ambas era acelerado pela luz artificial proveniente, por exemplo, dos candeeiros que iluminam as nossas ruas. Por isso, os cientistas defendem que as populações de traças que vivem nas cidades não desenvolveram, até agora, qualquer adaptação genética a esses ambientes permanentemente iluminados.

“A poluição luminosa tem um efeito cada vez maior sobre a Natureza”, salienta Sami Kivelä, da Universidade de Oulu, na Finlândia, e um dos autores do artigo. O investigador explica que os resultados deste estudo vêm confirmar investigações anteriores, mas que trouxe novidades, entre elas, a compreensão de que as traças urbanas ainda não foram capazes de desenvolver adaptações genéticas para evitar os efeitos da poluição luminosa.

Investigações futuras devem, diz Kivelä, procurar aprofundar o conhecimento sobre “os efeitos nocivos da poluição luminosa” sobre as traças e perceber “até que ponto isso poderá explicar o declínio das populações de insetos”.





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