Um museu onde a história da água e de Lisboa se cruzam (com FOTOS)
Espraiada à beira Tejo, Lisboa teve ao longo dos seus séculos de história uma relação profunda com a água. Quer seja pelos navegadores que viu partir em busca do desconhecido quer pelas necessidades de fornecimento de água potável à população da cidade, que foi aumentando progressivamente desde a sua fundação.
A arquitectura única de Lisboa que hoje conhecemos e também a forma como se expandiu são resultado desta relação com a água. O modelo de fornecimento de água potável a Lisboa teve por base trabalhos romanos e a concentração inicial da cidade na colina do Castelo de São Jorge deveu-se à pouca água potável existente, sendo que nesta colina a água é mais facilmente retida no solo devido à sua composição argilosa.
O recurso escasso de água em Lisboa definiu então muitas das características da cidade, como por exemplo o hábito de fazer fila em chafarizes e a selecção de bicas para “negros e cativos”, “mouros”, “homens e rapazes”, “mulheres negras” e “mulheres brancas”.
Depois da Idade Média, em que a tradição, segundo se conta, era tomar três banhos na vida – nascimento, casamento e morte – os hábitos da população começaram a mudar durante o Renascimento. Também nesta altura equacionaram-se trabalhos de recuperação do aqueduto romano em Lisboa, de forma a que pudesse servir mais pessoas e uma actividade pré-industrial.
Decidiu-se, porém, construir um novo aqueduto, que utilizasse o percurso do antigo sistema romano e as obras de construção avançaram no século XVIII, proporcionadas pela estabilidade política e financeira, resultantes do ouro que ainda chegava do Brasil e dos impostos sobre a carne, azeite e vinho. A construção deu origem ao que hoje é conhecido como Aqueduto das Águas Livres. O Aqueduto das Águas Livres foi desactivado da sua função de abastecimento em 1967, 219 anos depois de ter começado a fornecer água aos lisboetas.
Símbolo maior do fornecimento de água à cidade, o Aqueduto das Águas Livres está hoje incorporado no Museu da Água, gerido pela EPAL. Porém, também incorporados no museu que hoje preserva e conta a história do fornecimento de água a Lisboa está um conjunto de outros monumentos e edifícios construídos entre os séculos XVIII e XIX. O Aqueduto das Águas Livres e o reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras, ambos monumentos nacionais, o reservatório da Patriarcal, as galerias subterrâneas do Aqueduto das Águas Livres e a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos constituem o Museu da Água e integram o roteiro histórico, patrimonial, tecnológico e científico da Água.
No total, são cinco os espaços do Museu da Água, espalhados por vários pontos da cidade, que podem ser visitados. Descubra estes cinco locais que lhe contam a história do abastecimento de água a Lisboa.
Museu da Água
A primeira tentativa para a musealização do acervo da Companhia das Águas de Lisboa, empresa antecessora das Águas Livres, começaram em 1919. Ao longo de duas décadas foi recolhido o espólio principal da empresa e, no final da década de 1930, foi organizado o primeiro processo de inventariação. Porém, foi apenas em 1987 que abriu ao público o núcleo principal do Museu da Água, localizado na Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, na rua do Alviela. É neste edifício que está a exposição permanente do museu dedicada à história do abastecimento de água a Lisboa.
Em Dezembro de 2013 iniciaram-se obras de requalificação do edifício, com enfoque nas necessidades de modernização e actualização do espaço expositivo e adequada musealização do património industrial ali patente. A nova exposição permanente do Museu da Água foi inaugurada em Outubro de 2014, abordando agora a temática da água nas vertentes histórica, científica, tecnológica e sustentável, convidando o visitante a explorar diversos conteúdos.
Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos
O crescimento populacional na cidade de Lisboa fez com que a água abastecida pelo Aqueduto das Águas Livres se tornasse insuficiente. Para responder às necessidades foi construído, entre 1871 e 1880, um novo aqueduto abastecedor: o aqueduto do Alviela.
Na cerca de um extinto convento franciscano, ocupado pela ordem religiosa dos Barbadinhos Italianos, foi instalado o reservatório final da água transportada pelo aqueduto do Alviela, que foi denominado Reservatório dos Barbadinhos. Junto do reservatório foi ainda construída uma estação elevatória a vapor, destinada a bombear a água do aqueduto para as zonas altas da cidade.
A Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos esteve em funcionamento entre 1880 e 1924. Actualmente o espaço mantem o ambiente característico de uma instalação industrial do século XIX, onde se destacam as quatro máquinas a vapor e respectivas bombas. O edifício acolhe a exposição permanente do Museu da Água, o Arquivo Histórico da EPAL e uma sala multiusos.
Aqueduto das Águas Livres
Mandado construir por D. João V, entre 1731 e 1799, o Aqueduto das Águas Livres constituiu um vasto sistema de captação e transporte de água, por via gravítica. O Aqueduto é uma das mais notáveis obras de sempre da engenharia hidráulica e a sua extensão total, incluindo os ramais é de 58.135 metros.
O trajecto escolhido para a construção do aqueduto coincidia com o percurso do antigo aqueduto romano. A construção foi possível graças a um imposto denominado Real de Água, lançado sobre bens essenciais como o azeite, o vinho e a carne. O sistema que resistiu ao terramoto de 1755 é composto por um troço principal com início na Mãe de Água Velha, em Belas, e final no reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras; vários troços secundários destinados a transportar água de 60 nascentes; cinco galerias para o abastecimento de 30 chafarizes na capital.
O símbolo maior do Aqueduto é a arcaria do vale de Alcântara, que pode ser visitada entre 30 de Novembro e 1 de Março.
Reservatório da Mãe d´Água das Amoreiras
O Reservatório da Mãe d’Água, concluído em 1834, foi concebido pelo arquitecto húngaro Carlos Mardel. A sua construção teve como objectivo receber e distribuir as águas aduzidas pelo Aqueduto das Águas Livres. Do interior do edifício destaca-se a sua cascata, a Arca d’Água e a Casa do Registo, que outrora serviu para controlar os caudais de água que partiam para os chafarizes, fábricas, conventos e casas nobres.
Reservatório da Patriarcal
O Reservatório da Patriarcal foi construído entre 1860 e 1864 para servir a rede de distribuição de água na baixa da cidade. Localizado no subsolo do que hoje é o Príncipe Real, o Reservatório da Patriarcal inclui a Galeria do Loreto, que liga o reservatório ao miradouro de São Pedro de Alcântara.
Aquedutos subterrâneos
A água transportada pelo Aqueduto das Águas Livres, ao chegar a Lisboa, era conduzida aos cerca de 30 chafarizes da cidade através de uma rede emissária constituída por cinco galerias, maioritariamente subterrâneas, com cerca de 12 quilómetros de extensão.
As cinco galerias subterrâneas do Aqueduto tinham nomes atribuídos consoante a sua localização geográfica: Galeria do Campo Santana, Galeria das Necessidades, Galeria da Esperança, Galeria do Rato e Galeria do Loreto.
A Galeria do Loreto é a única galeria subterrânea que pode ser visitada.
Este artigo faz parte de um trabalho especial sobre Água, publicado durante o mês de Julho e promovido pela Águas de Portugal. Todas as sugestões de temas podem ser enviadas para info@greensavers.sapo.pt. Siga a AdP no site e YouTube e assine a sua newsletter.
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